Quatro homens afroamericanos foram esta segunda-feira ilibados das acusações de violação de uma mulher, num caso com sete décadas.

A juíza Heidi Davis indeferiu as acusações de Ernest Thomas e Samuel Shepherd, fatalmente baleados pela polícia, e deixou cair as condenações e penas de Charles Greenlee e Walter Irvin. Os homens conhecidos como os “Groveland Four”, que na altura tinham idades entre os 16 e os 26 anos, foram acusados de violar uma mulher na cidade de Groveland, na Florida, e, 1949.

“Seguimos as provas para ver onde nos levavam, e levaram-nos a este momento”, disse o procurador Bill Gladson, citado pela agência Associated Press, no mesmo tribunal onde aconteceu o julgamento original.

A família dos ilibados espera que este caso venha espoletar uma análise de outras condenações de homens negros da época de Jim Crow, de modo a que condenações falsas possam ser corrigidas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Somos abençoados. Espero que seja um início, porque muita gente não teve esta oportunidade. Muitas famílias não tiveram esta oportunidade. Talvez venham a ter”, disse à AP Aaron Newson, sobrinho de Ernest Thomas.

Thomas foi baleado mais de 400 vezes por um grupo de homens, depois da acusação de violação. Sepherd foi morto pelo xerife, que feriu também Irvin, em 1951. O xerife justificou o uso da arma de fogo, dizendo que os dois tentaram fugir, mas Irvin garante que foram atingidos a sangue frio.

O advogado Thurgood Marshall Sr. defendeu Irvin num segundo julgamento, mas um júri apenas com membros brancos condenou-o, resultando em pena de morte. Irvin conseguiu escapar à execução em 1954, quando a pena foi revista para prisão perpétua com possibilidade de liberdade condicional. Greenlee, também condenado a prisão perpétua, conseguiu sair em liberdade condicional em 1962 e morreu em 2012. Irvin morreu em 1969, um ano depois de sair em condicional.

Marshall Jr., filho do advogado, acredita que o caso dos “Groveland Four” “assombrou” o seu pai. “Mas ele acreditava que melhores dias viriam”, disse à AP.

Em 2017, as entidades judiciais da Florida pediram formalmente desculpa às famílias dos quatro homens, que receberam também indultos póstumos há dois anos.

Em 2018, a então procuradora-geral da Florida deu instruções para uma revisão do caso. No início deste ano, os resultados foram encaminhados para o procurador Gladson, para revisão.

Gladson entrevistou o neto de Jesse Hunter, o procurador encarregue da acusação de dois dos arguidos na altura. De acordo com o neto, Hunter e o um dos juízes envolvidos no caso sabiam que não tinha havido qualquer violação.

O neto sugeriu também que, com base nas cartas encontradas no escritório do avô em 1971, o xerife terá disparado contra Shepherd e Irvin porque estava envolvido numa operação de jogo ilegal, e como Shepherd também estaria envolvido nessa mesma operação, o xerife pode ter aproveitado a acusação de violação para afastar uma pessoa que via como incómoda.

O procurador mandou também analisar as calças de Irvin para testar a presença de sémen. Este exame nunca foi feito durante o julgamento, ainda que os jurados tenham ficado com a impressão que as calças estava manchadas. Os resultados não mostraram qualquer presença de sémen.

“A importância desta descoberta não pode ser subestimada”, sublinhou Gladson.