O presidente do GAT – Grupo Ativistas em Tratamentos alertou esta quarta-feira que há centros de saúde a recusar assistir grávidas migrantes sem número de utente, porque o sistema informático não as reconhece, o que diz ser “completamente ilegal”.

“Temos confirmado que em muitos sítios, sobretudo em sítios onde a prevalência de pessoas imigrantes é muito alta, tem havido recusas sistemáticas. Isto não só é um desastre do ponto de vista humano, humanista, de saúde, como é completamente ilegal“, disse Luís Mendão em entrevista à agência Lusa a propósito dos 20 anos da fundação do GAT.

Segundo o ativista, esta situação aconteceu com a informatização do sistema, que “é uma coisa boa”, mas que esqueceu de incluir os campos para a aplicação da lei de 2001 assinada pelo então ministro António Correia de Campos, que foi “um marco da civilização no primeiro ano do século XXI”.

A lei, redigida por Pereira Miguel, na altura diretor-geral da Saúde, determina que todas as grávidas, portuguesas ou estrangeiras, com situação regularizada ou não, têm direito a assistência médica gratuita nos serviços públicos, bem como acesso gratuito ao tratamento das infeções sexualmente transmissíveis (IST), tuberculose e hepatites.

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Para Luís Mendão, é lamentável que a situação que estava a melhorar tenha piorado “com a recusa em muitos centros de saúde de assistir mulheres grávidas sem número de utente”.

“O SNS [Serviço Nacional de Saúde] tem que dar cuidados gratuitos, mas o sistema informático não reconhece isso e se não for uma organização como o GAT ou outras que obriga os centros de saúde ou o hospital a fazer isso, essas pessoas ficam sem assistência médica ou então é lhes cobrando o preço inteiro dos tratamentos”, criticou.

Contou que as pessoas ficam “aterrorizadas” quando veem uma fatura de 500 euros ou no caso de ser VIH de 2.000 ou 3.000 euros.

Por isso, avançou, esta questão vai ser “a grande prioridade” e, provavelmente, “a bandeira” do GAT para o próximo ano.

Na entrevista, o presidente do GAT salientou também a importância de haver “dados fiáveis atempados” sobre a situação da sida e das IST no país que permitam aos epidemiologistas, aos especialistas em saúde pública e experts comunitários saberem “onde é que estamos, o que é que nos falta para os objetivos mínimos que temos à frente”.

Outra questão que considerou fundamental é o acesso dos migrantes e dos homens que têm sexo com homens à prevenção, ao rastreio e aos cuidados de saúde, sobretudo em Lisboa, a cidade onde há maior incidência de VIH: “quase 50 pessoas por 100 mil habitantes por ano, um valor cinco vezes superior à média portuguesa, que já é entre o dobro e o triplo da média europeia”.

“Perdeu-se um pouco essa noção de que Portugal tem uma situação bastante mais grave, bastante mais desafiante do que a maioria dos países europeus“, afirmou, sublinhando que estes dois grupos são fundamentais neste momento em termos de incidência.

“São pessoas imigrantes, muitas vezes, em situação irregular e que têm enormes dificuldades de acesso à prevenção, ao rastreio e aos cuidados de saúde e é na população dos homens que têm sexo com homens que, apesar de ter vindo a descer, a incidência ainda é mais alta de todas”, descreveu.

Em Lisboa registam-se quase 50% dos novos casos, observou, defendendo a necessidade de haver um “acesso eficaz” à Profilaxia Pré exposição (PrEP), para prevenir o VIH, alargando a sua prescrição a outras instituições, porque os hospitais estão a “rebentar pelas costuras”.

Em Lisboa, há menos de 2.000 pessoas em PrEP, quase todas seguidas no hospital Curry Cabral, sendo que as projeções do GAT apontam para “7.500 pessoas que precisam verdadeiramente de acesso à PrEP”.