Em 1843, Charles Dickens publicou “Um Conto de Natal”. Na história, uma das mais reconhecidas de sempre, Ebenezer Scrooge é visitado por três espíritos natalícios. Um deles, o Fantasma do Natal Passado, oferece-lhe uma chance de redenção. Esta quarta-feira, em Inglaterra, o FC Porto visitava o Fantasma de Liverpool Passado — e não deixava de estar à procura de uma chance de redenção.

Para além da goleada de 2007/08, a de 2017/18 ou a de 2018/19, o FC Porto procurava essencialmente a redenção da goleada encaixada no final de setembro, no Dragão — quando Sérgio Conceição arrasou a equipa após o apito final e deixou até dúvidas, ainda que muito parcas, sobre a própria continuidade. Em Anfield, na penúltima jornada da fase de grupos da Liga dos Campeões, os dragões voltavam a um sítio onde nunca foram felizes mas onde tinham de inverter esse historial para ainda sonhar com os oitavos de final. Um historial que nem Jürgen Klopp sabia propriamente explicar.

Ficha de jogo

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Liverpool-FC Porto, 2-0

Fase de grupos da Liga dos Campeões

Anfield, em Liverpool (Inglaterra)

Árbitro: Felix Zwayer (Alemanha)

Liverpool: Alisson, Neco Williams, Matip, Konaté, Tsimikas (Robertson, 63′), Tyler Morton, Thiago Alcântara (Henderson, 63′), Oxlade-Chamberlain (James Milner, 82′), Mané (Origi, 72′), Salah (Fabinho, 72′), Minamino

Suplentes não utilizados: Adrián, Kelleher, Van Dijk, Diogo Jota, Nathaniel Phillips, Trent Alexander-Arnold

Treinador: Jürgen Klopp

 

FC Porto: Diogo Costa, João Mário, Mbemba, Pepe (Fábio Cardoso, 25′), Zaidu, Otávio, Uribe (Grujic, 77′), Sérgio Oliveira (Vitinha, 64′), Luis Díaz, Taremi (Francisco Conceição, 64′), Evanilson (Toni Martínez, 77′)

Suplentes não utilizados: Marchesín, Pepê, Corona, Manafá, Wendell, Bruno Costa, Fábio Vieira

Treinador: Sérgio Conceição

Golos: Thiago Alcântara (52′), Salah (70′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Konaté (30′), a Uribe (41′), a Mbemba (75′), a James Milner (88′)

“Honestamente, não tenho explicação para os resultados com eles. O último jogo foi realmente azarado para o FC Porto, com as lesões e nós a marcarmos nos piores momentos para eles e nos melhores para nós… Tudo ajudou. Estou preparado para uma equipa fortíssima que tem tudo a ganhar neste jogo”, disse o treinador alemão. Ora, a verdade era exatamente essa: esta quarta-feira, os dragões tinham quase tudo a ganhar e praticamente nada a perder. E tudo isso partia das contas complexas do Grupo B.

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Ora, com o Liverpool já apurado, a equipa de Sérgio Conceição jogava em Anfield a olhar para o encontro de Espanha entre o Atl. Madrid e o AC Milan. Em caso de vitória em Inglaterra, os dragões mantinham o segundo lugar do grupo e até podiam ir para casa com o apuramento se o Atl. Madrid perdesse com o AC Milan; em caso de empate, os dragões mantinham o segundo lugar se o Atl. Madrid não ganhasse ao AC Milan e só precisavam de empatar também com os espanhóis na última jornada para chegar aos oitavos ou, em cenário de vitória dos colchoneros com os italianos, teriam de ganhar a João Félix e companhia no Dragão; e em caso de derrota, os dragões mantinham o segundo lugar se o Atl. Madrid perdesse com o AC Milan ou caíam para o terceiro se os espanhóis empatassem ou ganhassem aos italianos, continuando a depender apenas de si e de uma vitória frente aos colchoneros para seguir em frente.

Sem Marcano, que vai ser operado ao pé direito, Sérgio Conceição chegou a colocar dúvidas sobre a disponibilidade de Pepe mas a verdade é que o central recuperou a tempo e era titular. De resto, o normal: João Mário e Zaidu nas alas, Sérgio Oliveira e Uribe ao meio, Luis Díaz e Otávio nos corredores e Taremi e Evanilson no ataque. Do outro lado, Jürgen Klopp geria os esforços e deixava Van Dijk, Trent Alexander-Arnold, Robertson, Fabinho, Henderson e Diogo Jota no banco, apostando nos jovens Neco Williams e Tyler Morton, para além do japonês Minamino, no onze inicial.

Na primeira parte, o FC Porto deu desde logo a indicação de que não planeava defender-se de uma eventual e repetida goleada. A equipa de Sérgio Conceição apresentou-se com as linhas subidas, a jogar quase por inteiro no meio-campo adversário nos instantes iniciais e a demonstrar uma reação à perda da bola que nunca apareceu no jogo do Dragão. Os dragões desdobravam-se principalmente através da largura, onde Díaz na esquerda e Otávio na direita provocavam desequilíbrios e procuravam encontrar espaço para soltar desmarcações, e Uribe era um autêntico muro no corredor central, recuperando inúmeras bolas e apresentando o habitual critério na hora de começar a construir.

O primeiro lance de perigo do jogo apareceu pela direita, quando Otávio roubou a bola a Tsimikas e cruzou à procura de Taremi, com o desvio do iraniano a bater em Matip e a quase enganar Alisson (8′). Pouco depois, o mesmo Otávio teve tudo para inaugurar o marcador em posição frontal para a baliza, atirando ao lado de primeira na sequência de uma arrancada de Luis Díaz na esquerda (12′). O Liverpool fez o primeiro remate enquadrado por intermédio de Matip, que cabeceou para uma defesa simples de Diogo Costa (14′), e ia apostando principalmente na transição rápida e letal que é o ex libris dos reds.

Ainda antes da meia-hora, porém, o FC Porto sofreu um revés significativo. Pepe, que tinha recuperado o suficiente para aparecer no onze inicial, ressentiu-se da lesão e teve de ser substituído por Fábio Cardoso — tal como tinha acontecido antes antes do apito inicial no Dragão, quando o central português esteve no onze, não conseguiu recuperar do aquecimento e acabou por nem entrar em campo, em mais um episódio da visita do Fantasma do Liverpool Passado. O momento da saída de Pepe acabou por delinear também uma ligeira alteração de ritmo no jogo, que passou a ter um controlo menos vincado por parte dos dragões e tornou-se mais incaracterístico e dividido na zona do meio-campo.

Ora, com a equipa de Sérgio Conceição a perder o controlo da zona média, o Liverpool aproveitou para resgatar alguma posse de bola e explorar o espaço entre linhas. Já perto do intervalo, de forma muito simples, Matip tirou um passe vertical e descobriu Mané em velocidade, com Mbemba a deixar o avançado completamente solto de marcação; Mané avançou, bateu Diogo Costa com um remate cruzado mas o golo foi anulado por fora de jogo (38′), ficando apenas o aviso para o FC Porto.

Ao intervalo, não havia golos em Anfield mas existia algo que há muito não aparecia: o FC Porto ia realizando uma enorme exibição contra o Liverpool, mesmo perdendo algum controlo no último terço da primeira parte, e poderia perfeitamente ter ido para o balneário já a ganhar. O destaque, de forma natural, era Uribe, que acabou o primeiro tempo com cinco cortes e era o pêndulo de toda a equipa dos dragões.

No início da segunda parte, nenhum dos treinadores fez alterações. O FC Porto voltou a entrar melhor, com Uribe a rematar ao lado logo nos primeiros minutos (49′), mas o relógio não precisou de avançar muito mais para mostrar que a lei da eficácia tarda mas acaba por chegar. Ainda dentro dos primeiros 10 minutos do segundo tempo, depois de um alívio incompleto da defesa dos dragões a um livre cobrado na direita, Thiago Alcântara apareceu à entrada da grande área, rematou de primeira e cruzado e abriu o marcador (52′). O FC Porto teve muitas oportunidades, não marcou; o Liverpool teve duas, com um golo anulado e outro a valer.

Com o golo marcado, os ingleses procuraram controlar o jogo e atrasar o ritmo da partida, algo que o FC Porto ia tentando evitar mas que se ia verificando. Oxlade-Chamberlain ficou perto de aumentar a vantagem (61′), Minamino colocou a bola no fundo da baliza mas o golo foi anulado por fora de jogo (62′) e Jürgen Klopp colocou Henderson e Robertson para fechar os caminhos para baliza de Alisson. Sérgio Conceição respondeu com Francisco Conceição e Vitinha, para tentar injetar energia e frescura no ataque, mas o Liverpool respondeu com o inevitável: Salah. O egípcio recebeu um passe longo na direita, combinou com Henderson, fintou Uribe sem tocar na bola e atirou para aumentar a vantagem, sem qualquer hipótese para Diogo Costa (70′).

Depois do segundo golo, já muito pouco aconteceu. Sérgio Conceição ainda lançou Grujic e Toni Martínez, Klopp colocou Fabinho, Origi e James Milner e o Liverpool controlou as ocorrências até ao fim, não permitindo praticamente nada ao FC Porto. Ainda assim, apesar da derrota em Anfield e com a vitória do AC Milan frente ao Atl. Madrid, os dragões entram na última jornada da fase de grupos a depender apenas de si próprios e a precisar somente de bater os espanhóis no Dragão para chegar aos oitavos de final.

No dia em que realizou a melhor exibição das mais recentes contra o Liverpool, o FC Porto caiu não só graças à eficácia dos ingleses mas também devido à escassez de eficácia que não conseguiu esconder. O Fantasma do Liverpool Passado, embora mais mansinho, voltou a aparecer — e Sérgio Conceição voltou a não alcançar a redenção.