O arquiteto e professor catedrático João Pedro Xavier lança esta quinta-feira, no Porto, o livro “Música e Arquitetura no Barroco. A Igreja dos Clérigos como um instrumento musical”, traçando o cruzamento de influências nesta “obra de arte total”.
“Uma obra barroca, no período barroco, e uma Igreja como esta em particular, é uma obra de arte total. Todas as formas de manifestação artística assumem o seu papel e trabalham todas em conjugação. Desde logo a arquitetura, que é o espaço que recebe, mas depois a escultura, a pintura, as artes decorativas diversas. Normalmente, esquecemos que a música também é muito importante, porque está sempre presente nas liturgias, é um elemento fundamental”, explica à Lusa João Pedro Xavier.
O livro do diretor da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP) é editado pela Circo de Ideias e será apresentado esta quinta-feira, pelas 18:30, na própria Igreja dos Clérigos, projetada por Nicolau Nasoni e concluída em 1763.
Na sessão participam, além do autor, António Tavares, da Irmandade dos Clérigos, José Miguel Rodrigues, do Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo da FAUP, e o organista Rui Soares.
A interdependência do pensamento na criação de espaços e a forma como a música será interpretada nesses locais é a relação principal do livro, que olha para o período barroco, entre o século XVII e meados do seguinte, e para os Clérigos como casa que amplifica a música, como se de um instrumento se tratasse.
A relação entre música e arquitetura, na lógica da música “que se espacializa e tira partido da forma espacial”, é já “uma coisa antiga” e que, na contemporaneidade, o arquiteto considera que atingiu “o seu limite máximo”.
Antes disso, o barroco trouxe o interesse “objetivo pela acústica” e começa a surgir, na teoria arquitetónica da época, um tratamento com “maior rigor científico” deste lado, que permitia acompanhar a palavra, no fenómeno litúrgico, com música.
“Quando falo em obra de arte total, quero dizer que todos os fatores artísticos confluem para reforçar a mensagem que se quer transmitir e, no fundo, são extremamente persuasivas, porque encantatórias”, acrescenta.
Dos cânticos à música de órgão, o lado sonoro combina-se, dentro da igreja, com a própria mensagem, e no caso do projeto de Nicolau Nasoni, a Igreja dos Clérigos chega já no pleno período da oratória.
A “primeira igreja em Portugal de planta oval” segue a linha da Congregação de São Filipe Nery, que em Roma construiu “ela própria o Oratório dei Filippini, ao lado da Igreja di Santa Maria in Vallicella”. Os Clérigos estão instalados na Rua de São Filipe Nery.
“É uma encomenda muito particular, que é feita ao grande arquiteto barroco Francesco Borromini, e tem a finalidade de ser um espaço privilegiado para o desenvolvimento deste género musical”, conta.
Às igrejas de planta oval são reconhecidas pelas “qualidades acústicas particulares”, sobretudo por “uma envolvência muito grande”, e também por isso João Pedro Xavier defende “que há uma grande ligação entre este tipo de espaço e a oratória”.
A construção da Igreja começou em 1732, mas só em 1863 estaria concluída, com os órgãos instalados mais tarde, numa fase em que a oratória já tinha, se não menos força, um outro ciclo, fora do seu período áureo, e a caminho de “uma tal autonomia em que passa das igrejas para as salas de concerto”.
É essa interligação entre História, música e arquitetura que o autor procura traçar, vendo uma “ligação muito forte” quer entre espaços que se adaptam aos estilos musicais, que ‘exigem’ coisas, quer ao contrário.
“Não é uma relação de causa-efeito, as coisas acontecem em simultâneo, mas umas coisas vão puxando as outras, e várias tipologias vão nascendo. (…). Com a ópera nasce o teatro de ópera, depois a sala de concertos. Com o barroco, saímos do palácio, sobretudo quando a burguesia começa a ter outra expressão”, explica.
Um desses exemplos, da saída para as salas de concerto, é o Holywell Music Room, em Oxford, construído em 1748 e casa para Handel, autor de um dos oratórios mais famosos do barroco tardio, “Messias”, e para muitas outras interpretações, como as oratórias de Haydn; edifício considerado o primeiro construído para albergar concertos, na Europa.
Segundo o professor catedrático, a caixa acústica dos Clérigos, “em forma de cilindro oval e depois uma cúpula com a mesma formação”, potencia o som, um elemento que permite aproximar este tipo de espaços, assim desenhados, de instrumentos musicais.
Xavier lembra a Igreja do Carmo, também barroca, como “um espaço absolutamente extraordinário do ponto de vista acústico”, mas também a Basílica de Mafra, “o caso mais paradigmático”.
“Aqueles seis órgãos a tocar [são] uma coisa do outro mundo. A Basílica de Mafra representa, no período barroco, o expoente máximo de um edifício religioso onde a música assume um protagonismo absolutamente extraordinário”, relata.
A ligação entre arquitetura e música, de resto, faz-se de forma orgânica ao longo dos séculos, e a par da ligação com outras artes.
João Pedro Xavier lembra Iannis Xenakis, que criava espaços próprios para estrear as suas composições, enumera ainda interpretações de Pierre Boulez e Karlheinz Stockhausen, e também o trabalho no âmbito da eletroacústica do português João Pedro Oliveira.
“Música e Arquitetura no Barroco. A Igreja dos Clérigos como um instrumento musical” conta ainda com um prefácio de Cristina Fernandes, que “enriqueceu extraordinariamente o livro”, considera João Pedro Xavier, por juntar ao trabalho de ligação entre arquitetura e música do barroco, “uma panorâmica geral de tudo o que acontece à época” e à própria prática litúrgica.
Este é o terceiro volume na coleção “Lições de Arquitetura”, seguindo-se a obras de Paulo Tormenta Pinto e José Miguel Rodrigues, e, para a sua edição, a Circo de Ideias teve o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia, do Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo da FAUP, e da Irmandade dos Clérigos.