As imagens impressionam pelo contraste entre a vastidão e a fragilidade: várias dezenas de pessoas vestidas com coletes salva-vidas apinham-se, sem espaço para se sentarem ou sequer se mexerem, num precário barco de borracha enquanto atravessam os cerca de 50 quilómetros de oceano que separam Calais, no norte de França, da costa sul do Reino Unido.

O cenário tem-se repetido de modo cada vez mais frequente ao longo das últimas semanas e intensificou-se esta semana, com a crise migratória a atingir um pico de tensão humanitária e política: 27 migrantes morreram afogados quando um destes barcos improvisados naufragou no início da semana e, na sequência da tragédia, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, escreveu uma carta ao Presidente francês, Emmanuel Macron, apelando à negociação de um acordo para a devolução dos migrantes que cruzam o Canal da Mancha ao continente europeu. A carta foi considerada “inaceitável” por França, que cancelou as negociações de alto nível entre os dois governos nesta matéria.

A tragédia que envolveu migrantes oriundos do Iraque, da Somália e de vários outros países não impediu que na madrugada seguinte vários outros migrantes se fizessem ao mar em barcos improvisados — embarcações cada vez mais precárias, numa altura em que a cadeia de lojas Decathlon suspendeu a venda de caiaques e pequenos barcos nos seus estabelecimentos perto de Calais precisamente para evitar que fossem usados pelos migrantes que pretendem atravessar o Canal da Mancha.

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A escassez de embarcações está a levar a que cada vez mais migrantes tentem atravessar o canal em barcos feitos à mão a partir de tubos de PVC insufláveis, contraplacado, peças de plástico e fita-cola. O barco que naufragou na quarta-feira, levando à morte de 27 pessoas, era um destes — e pelo menos mais quatro semelhantes foram encontrados na praia de Dungeness, no Reino Unido.

Segundo o jornal britânico Mirror, que publicou esta quinta-feira várias fotografias destes barcos encontrados em Dungeness, a completa semelhança entre os quatro barcos sugere que tenham sido fabricados pelas mesmas pessoas, provavelmente, envolvidas em esquemas de tráfico humano, como forma de contornar a escassez de embarcações mais seguras. No Canal da Mancha há grupos criminosos a cobrar 5 mil libras (5.900 euros) por pessoa por um lugar num destes barcos.

Estes barcos são amadores. Parece que foram colados com fita-cola e o contraplacado não está tratado“, disse ao Mirror o especialista Peter Faulding, conselheiro das autoridades britânicas em questões de segurança marítima. “Não creio que estes barcos tenham sido transportados por longas distâncias, pelo que provavelmente foram construídos a menos de 30 quilómetros da costa, num armazém abandonado ou numa quinta antiga.”

Faulding afirmou ainda que as pessoas envolvidas na construção destes barcos deverão ter alguns conhecimentos básicos de construção naval, mas a falta de materiais torna as embarcações muito precárias. “A polícia francesa tem de descobrir este esquema rapidamente, porque se eles continuam a fazer estes barcos muito mais pessoas vão morrer no canal.

Junto aos barcos improvisados foram encontrados também alguns itens de segurança igualmente precários, incluindo bombas de ar usadas para encher pneus de bicicletas (para o caso de esvaziamento de alguma das boias) e garrafas de água de plástico cortadas, para remover água do interior da embarcação.