A nova variante de preocupação do coronavírus, Ómicron, vai ser determinante para a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 decidir se as crianças entre os cinco e os 11 anos devem ou não ser vacinadas, assumiu fonte desta equipa ao Observador. A nova variante acrescenta um fator de incerteza ao processo de decisão e pode motivar os especialistas a invocar o princípio de precaução para adiar a luz verde à vacinação de crianças.

A comissão vai pesar dois pratos na balança: um com os benefícios da vacinação, incluindo o número previsível de novas infeções evitadas, o decréscimo nos internamentos por Covid-19, a diminuição da probabilidade de desenvolver sequelas como a síndrome inflamatória multissistémica pediátrica (MIS-C), a redução do absentismo escolar e o contributo para o regresso à normalidade. No outro prato vão pesar-se os efeitos das potenciais reações adversas relacionadas com a vacinação, a sua frequência e severidade.

A Comissão Técnica de Vacinação assegura-se de que estes fatores são quantificados e suportados pela melhor evidência científica disponível. Mas se essa já era uma tarefa difícil quando a Ómicron ainda não estava no panorama, por causa da escassez dos dados públicos sobre o impacto da vacinação na faixa etária dos cinco aos 11 anos de que alguns peritos se queixam, ela torna-se ainda mais intrincada com uma variante sobre a qual tão pouco se sabe.

De acordo com a plataforma EUR-Lex, o serviço da Comissão Europeia que condensa toda a informação sobre o direito europeu, e que também regula os moldes em que o princípio da precaução deve ser adotado, ele pode ser aplicado para “impedir a distribuição” de um produto “caso os dados científicos não permitam uma avaliação completa do risco”. A decisão deve sempre incluir uma “uma avaliação científica tão completa quanto possível e a determinação, na medida do possível, do grau de incerteza científica”.

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Segundo a fonte contactada pelo Observador, “decidir debaixo de incertezas não é estranho a quem trabalha em ciência aplicada”, considerou. Mas, “na área da medicina e da saúde pública, muitas vezes adota-se o princípio da precaução, quando isso é possível”. E, com tantas dúvidas em cima da mesa, esse pode mesmo ser o caso: uma decisão tomada agora

A Agência Europeia do Medicamento (EMA) já recomendou a vacinação contra a Covid-19 das crianças entre os cinco e os 11 anos, após o Comité de Produtos Medicinais para Uso Humano ter considerado que os benefícios da vacinação nesta faixa etária superam os riscos, principalmente entre os indivíduos com comorbilidades que aumentam o risco de desenvolver Covid-19 grave perante uma infeção pelo SARS-CoV-2.

Luz verde da EMA não chegará para começar a vacinar crianças em Portugal. Decisão só com mais dados

Mas o tema não é consensual entre os profissionais de saúde. O alargamento do plano de vacinação as crianças foi defendido na última reunião no Infarmed pelo epidemiologista Henrique de Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, que afirmou que a vacinação das crianças “seguramente que é uma prioridade”, “quando as vacinas estiverem inequivocamente aprovadas no nosso espaço geográfico e social”.

Também a Sociedade Portuguesa de Pediatria emitiu um parecer a recomendar a vacinação das crianças, argumentando que o contributo para o regresso à normalidade e o impacto que isso teria na saúde mental dos menores se juntam às vantagens para a a saúde individual. No entanto, a Ordem dos Enfermeiros considerou que os dados disponíveis eram insuficientes para chegar a conclusões claras sobre a segurança da vacinação.

O debate acontece numa altura em que, na província sul-africana de Gauteng, berço da Ómicron, a pressão hospitalar está a aumentar por causa das infeções pela nova variante, com uma subida no número de internamentos verificados entre os bebés até aos dois anos, que já simbolizam 10% de todas as hospitalizações. Apenas 1% dos bebés e 5% das crianças tinham comorbilidades prévias, mas os dados são preliminares e foram recolhidos num país com uma cobertura vacinal de 24%, muito abaixo da portuguesa. Por cá, os especialistas portugueses estão atentos ao fenómeno.

Conselho de Ética critica Governo por não ser ouvido sobre medidas relativas à Covid-19

A presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida criticou esta terça-feira o Governo por não ouvir este órgão sobre medidas contra a pandemia, como a vacinação de crianças, em que há “claramente questões éticas” envolvidas. “A maior crítica é a de o conselho não estar envolvido em nenhuma tomada de decisão de políticas públicas [relativas à pandemia de Covid-19], quando sabemos que elas têm impactos significativos nos direitos e deveres da população”, disse à agência Lusa Maria do Céu Patrão Neves.

Conselho de Ética critica Governo por não ser ouvido sobre medidas relativas à Covid-19

Ao Observador, Maria do Céu Patrão Neves considerou que, quando se pesarem os benefícios e os riscos da vacinação das crianças entre os cinco e os 11 anos, contrapondo-os com os benefícios e os riscos de continuarem fora do processo, as vantagens a considerar devem ser apenas as diretas para a própria criança ou para a população infantil — isto é, o impacto positivo que a vacinação tem para cada criança individualmente e para aquelas com quem ela convive, não a mais-valia indireta que terá para a generalidade da população.

“Os adultos têm outros mecanismos para auto-proteção sem passar pelo [benefício] indireto. Não se justifica estar a vacinar crianças para proteção dos adultos”, considerou a professora universitária, que também é consultora do Presidente da República para questões relacionadas com a ética da vida.