A diplomacia portuguesa pode abrir um canal de comunicação na atual tensão política entre Marrocos e Argélia, quando o risco de guerra “é maior do que nunca”, defendeu à agência Lusa o analista Riccardo Fabiani.

Segundo Fabiani, diretor do Programa para o Norte de África do International Crisis Group (ICG), que falava à Lusa na noite de terça-feira à margem de uma conferência em Lisboa intitulada “Norte de África: Tensões e Conflitos”, Portugal deveria colmatar o espaço para a comunicação diplomática entre os dois vizinhos magrebinos.

“Portugal poderia ser este tipo de ator, no meio dos dois países, que podia viabilizar um diálogo, uma espécie de conversação inicial para, depois, abrir a possibilidade de negociações, uma mediação mais estruturada”, sublinhou Fabiani, depois da conferência organizada pelo Observatório do Mundo Islâmico (OMI).

Questionado sobre se não seria mais lógico atribuir esse papel diplomático a Espanha ou a França, Fabiani mostrou algumas reservas, uma vez que ambos estes países “têm interesses tanto em Marrocos como na Argélia”, razão pela qual encontram “muita oposição” dos dois países norte-africanos, “também até por causa da história de colonização que têm”.

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“Portugal não tem este tipo de bagagem, este tipo de limites. É um país mais pequeno, que não põe o mesmo tipo de problemas, de ameaças, de certa forma, para Marrocos e Argélia. Poderia ser mais aceitável como mediador ou como ator diplomático neste tipo de crise”, sustentou.

Para o diretor do Programa do ICG para o Norte de África, as tensões entre os dois países vizinhos estão a criar “o maior risco de sempre” de uma guerra entre ambos, devido, “parcialmente”, à questão do Saara Ocidental, um território disputado entre Marrocos e a Frente Polisário.

Outra das razões apontadas é a recente presença de Israel na região, com Fabiani a lembrar que, já este mês, menos de um ano passado sobre a retoma das relações diplomáticas entre Telavive e Rabat, os dois países assinaram um acordo histórico na área da defesa e segurança.

“Isto é visto pela Argélia como uma ameaça à sua segurança nacional”, afiançou Fabiani, realçando ainda as acusações mútuas de ataques militares em cada um dos países.

“Neste momento, tudo isto está a levar os dois países, mais perto do que nunca, para uma guerra”, alerta.

Questionado pela Lusa sobre se as autoridades de Argel pretendem, de alguma forma, equilibrar o poder de força com Marrocos, recorrendo, por exemplo, à Rússia, Irão ou mesmo China, Fabiani não excluiu essa possibilidade.

“A Argélia quer equilibrar a relação que Marrocos tem com Israel e quer fazer isso através de uma relação mais próxima com a Rússia, em particular. A Argélia já é o maior comprador de armas e de equipamentos militares russos em África. Quer aprofundar este tipo de relação e gostaria, provavelmente, de ter uma relação especial com a Rússia e, se calhar, idealmente, implicar a Rússia nesta crise”, sustentou.

Para Fabiani, Portugal e Espanha têm um “risco muito grande” no agudizar de tensões entre Marrocos e Argélia e, na eventualidade de conflito, enfrentarão grandes fluxos migratórios, inclusive criados para pressionar os países europeus.

“Agora estamos a assistir a um agravamento das relações entre Marrocos e a Argélia e o risco de uma guerra aberta poderia levar Marrocos a não controlar os fluxos migratórios que passam pelo seu território ou também usar a imigração ilegal para pressionar os países europeus. É um risco muito grande, sobretudo para a Península Ibérica”, alertou.