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O teatro do Porto a olhar-se ao espelho num "Arquivo Presente"

Este artigo tem mais de 2 anos

Como é que se arquiva o presente? Partindo desta premissa, Rita Morais reuniu-se com artistas, fez um levantamento das suas dores e alegrias e transportou-as para o palco do Auditório de Miragaia.

Cada corpo representa a comunidade artística portuense, num exercício de personificação de testemunhos recolhidos pela encenadora de 30 anos ao longo de seis jantares com atores, encenadores, dramaturgos, técnicos e produtores da cidade
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Cada corpo representa a comunidade artística portuense, num exercício de personificação de testemunhos recolhidos pela encenadora de 30 anos ao longo de seis jantares com atores, encenadores, dramaturgos, técnicos e produtores da cidade

Bruno Simao

Cada corpo representa a comunidade artística portuense, num exercício de personificação de testemunhos recolhidos pela encenadora de 30 anos ao longo de seis jantares com atores, encenadores, dramaturgos, técnicos e produtores da cidade

Bruno Simao

Em palco estão quatro atores. Teresa Coutinho, Alexandre Sá, Célia Fechas e Diana Sá. Cada um começa a gesticular à vez, rodopiando, atirando-se para o chão, puxando os cabelos, como corpo comandado por um marionetista invisível, incorporando nesta coreografia aleatória as inquietudes e incertezas de se ser um artista. “Trabalhamos muito a ideia de corpo-arquivo, ou seja, a ideia de que cada corpo tem uma história que é só sua, que é feita de experiências que se vão acumulando ao longo da vida e que muitas vezes, tal como a memória, não estão organizadas”, comenta Rita Morais que traz ao Porto o seu projeto “Arquivo Presente”, no palco do Auditório de Miragaia, de 4 a 6 de dezembro.

Neste caso específico, cada corpo representa a comunidade artística portuense, num exercício de personificação de testemunhos recolhidos pela encenadora de 30 anos ao longo de seis jantares com atores, encenadores, dramaturgos, técnicos e produtores da cidade. Rita Morais assume aqui o papel de cartógrafa emocional da cidade, trazendo para cena o material recolhido, ora de forma aparentemente desordenada e retalhada, como se cada personagem vivesse alienada das restantes, ora envolvendo os quatro atores num guião que está constantemente a saltar do eu artista para o eu pessoal: “Conhecer o quotidiano do artista também é uma forma de exposição e de saberes como é que as pessoas funcionam. O artista não é só a sua obra”.

O que a moveu a abraçar este projeto, iniciado em julho com “Arquivo Presente de Guimarães”, foi a reflexão em torno da questão “como é que se arquiva o presente?”: “A ideia de arquivo é sempre uma ideia de se trabalhar à posteriori sobre uma quantidade de informação e aquilo que me interessou aqui foi a possibilidade de agarrar o presente”.

Garante que não entrou neste barco para apontar dedos a ninguém, apenas para mostrar o que é factual e para nos obrigar – a nós público, artistas e entidades de poder – a tomar consciência do presente, para podermos atuar sobre ele. Sendo um arquivo, diz, é também um processo de seleção, o que torna o trabalho mais interessante na medida em que se vê obrigada a selecionar o que quer partilhar ou não.

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“Há muitas poucas mulheres no poder na cultura e poucas mulheres a encenar. O Porto tem muito teatro de reportório em que os papéis são quase sempre atribuídos a homens. As mulheres têm sempre personagens secundárias", diz Rita Morais

Bruno Simao

A peça, por si só, é bastante autoexplicativa, embora o guião não siga uma estrutura clássica, mas antes um conjunto de impulsos, como se em cada cena os atores respondessem a pontadas agudas que, nada mais são, do que as pontadas existenciais de toda uma classe. Há uma sensação permanente de colapso que nos faz crer que o artista – essa profissão que por vezes é romantizada – vive na iminência de cair de joelhos no chão, rendido e descrente do seu esforço. “Estás sempre numa tensão entre o prazer profundo e a angústia”, nota Rita, embora o simples ato de fazer o espetáculo seja já um sinal de resistência. “Nunca ninguém desiste”.

Claro que este estado de sítio não é de todo exclusivo ao contexto artístico do Porto – e durante a peça são muitos os diálogos que nos sugerem uma interpretação geograficamente mais alargada deste arquivo presente, nomeadamente quando as quatro personagens se sentam à mesa desfiando o novelo de situações-limite pelos quais passaram enquanto atores. “Quanto mais cansada, mais criativa és” ou “Não estou a dar um estalo a ti, estou a dar à personagem” soam-nos a desabafos que poderiam ser de outra cidade que não apenas do Porto.

Contudo, grande parte do enredo centra-se na forma como o artista portuense e a cidade se relacionam, discutindo-se questões como as da quase ausência de espaços independentes, “que faz com que o circuito alternativo esteja mais enfraquecido e na penumbra”, das curtas temporadas que inviabilizam a criação de novos públicos ou da ausência de uma agenda cultural que englobe todos os espetáculos, incluindo os dos espaços não institucionais. “Isto não são conclusões a que estou a chegar sozinha, são coisas que realmente se estão a passar na cidade”.

Mais surpreendente para Rita foi a discussão do lugar da mulher no teatro do Porto. “Há muitas poucas mulheres no poder na cultura e poucas mulheres a encenar. O Porto tem muito teatro de reportório em que os papéis são quase sempre atribuídos a homens. As mulheres têm sempre personagens secundárias.”

Depois de praticamente duas semanas de ensaios intensivos, a estreia de Arquivo Presente do Porto acontece já este sábado, dia 4 de dezembro, e a entrada é gratuita (nos restantes dias o bilhete custa €5)

Bruno Simao

Os ventos de mudança atuais fazem com que este tema, na opinião da encenadora, esteja agora a vir ao de cima. “Nunca saberei como teria sido se fosse homem, mas devo dizer que o facto de ser mulher não me impediu de trabalhar aqui”. Ainda assim, “há muito trabalho por fazer”: “O que sinto é que ainda não se enraizou essa urgência no Porto, coisa que em Lisboa já aconteceu”. Rita Morais fala por experiência própria, ela que, apesar de ter estudado precisamente no Porto, no Balleteatro, desenvolveu grande parte do seu trabalho autoral entre Guimarães, Lisboa e Bruxelas, colaborando, entre outros, com o Teatro Praga, o Teatro Oficina e com diretores como Arco Renz e a espanhola Angélica Liddell.

Depois de praticamente duas semanas de ensaios intensivos, a estreia de Arquivo Presente do Porto acontece já este sábado, dia 4 de dezembro, e a entrada é gratuita (nos restantes dias o bilhete custa €5). O Espaço Confederação (Auditório do Grupo Musical de Miragaia) é a sala que acolhe o espetáculo até dia 6, segunda-feira, estando agendada uma sessão dupla para domingo. O projeto está inserido no contexto do Cultura em Expansão, programa que tem como premissa a de fazer chegar diferentes formas artísticas a novos públicos, o que por si só agrada a Rita: “Tenho tentado fazer com que isto chegue ao maior número de pessoas possível, porque nós fazemos espetáculos para as pessoas”.

Na calha estão mais duas apresentações, uma em Faro e outra em Lisboa, ainda com datas a anunciar. Sobre novas temporadas de Arquivo Presente, Rita Morais diz que a ideia tem um potencial infinito, mas que por ora é tempo de descansar. “Tem sido um atrás do outro. Estamos a criar coisas a uma velocidade alucinante, sobretudo no pós-pandemia, e as agendas estão todas encavalitadas”. O tempo de criação, diz, tem de ser respeitado.

Horários: 
Sábado, dia 4, 19h30
Domingo, dia 5, 17h e 21h30
Segunda-feira, dia 6, 21h30

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