O Conselho das Finanças Públicas (CFP) alertou esta quinta-feira para a necessidade de serem feitos “esforços adicionais” nas finanças públicas portuguesas para que se mantenham os benefícios sociais concedidos atualmente.

“Na evolução do sistema dever-se-á procurar assegurar uma adequada partilha de riscos entre gerações, assim como uma distribuição justa de rendimento entre a geração de idosos pensionistas e as futuras gerações, relativamente às quais as atuais projeções indicam que terão carreiras contributivas superiores e um benefício inferior”, defende o CFP, no relatório sobre Riscos Orçamentais e Sustentabilidade das Finanças Públicas.

No documento, o CFP chama ainda a atenção para o peso da despesa e dos passivos contingentes a longo prazo e o seu efeito nas contas do Estado. “As alterações demográficas constituem um fator determinante da sustentabilidade das finanças públicas do lado da despesa”, releva a instituição presidida por Nazaré da Costa Cabral.

Segundo o CFP, “a conjugação do aumento da esperança de vida com as baixas taxas de natalidade e um menor fluxo líquido de migração acentua a tendência de envelhecimento da população, com reflexo direto na despesa pública”.

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“As despesas associadas ao envelhecimento da população, principalmente as relativas a pensões e saúde, têm apresentado um aumento contínuo ao longo do tempo, colocando desafios económicos, orçamentais e sociais”, alerta ainda o organismo que escrutina as contas públicas nacionais, colocando “uma forte pressão sobre o equilíbrio orçamental“.

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No relatório, o CFP faz menção à despesa rígida: “Trata-se de despesa que não é apenas obrigatória, mas que apresenta também elementos de permanência que a tornam dificilmente reversível”. “Na verdade, apenas em condições excecionais e em regra com pesados custos políticos pode tal despesa ser objeto de reversão”, reforça o CFP, advertindo que, “dada a restrição orçamental do Estado, a excessiva preponderância da despesa rígida no universo da despesa pública pode comprometer outra, tão ou mais necessária”, como por exemplo o investimento público.

O organismo propõe instrumentos “de caráter estrutural” para a redução de despesa, dando como exemplo “a orçamentação por programas e o estabelecimento efetivo de um sistema contabilístico capaz de fornecer informação indispensável, cuja implementação se tem revelado difícil de alcançar”.

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Já quanto às responsabilidades contingentes do Estado, estas constituem “em qualquer das circunstâncias, um risco para as finanças públicas”, podendo materializar-se ou não, assumindo muitas vezes a forma de garantias públicas.

“De acordo com a informação da Direção-Geral do Orçamento, o ‘stock’ de garantias concedidas pelas administrações públicas aumentou de 4,8% do PIB em 2019 para 6,4% do PIB em 2020, uma vez que as garantias covid-19 (3,2% do PIB) mais do que compensaram a redução de 1,8 p.p. [pontos percentuais] do PIB do ‘stock’ de garantias prestadas ao setor financeiro”, refere o CFP.

O organismo independente releva ainda que “as responsabilidades das empresas públicas classificadas fora do setor institucional das administrações públicas constituem também um risco orçamental”, que “advém da eventual incapacidade destas empresas em fazer face às suas responsabilidades”, tendo a dívida gerada por estas entidades representado 3,3% do PIB em 2019, número que aumentou para 3,6% na sequência da pandemia de covid-19.

Nas responsabilidades contingentes encontram-se também as Parcerias Público-Privadas (PPP) registadas fora das Administrações Públicas (AP), crédito malparado e passivo de entidades controladas pelas AP.

Quanto às PPP registadas fora das AP, em 2019 Portugal contava com 2,3% do PIB em responsabilidades contingentes, “o segundo maior valor da União Europeia, só ultrapassado pela Eslováquia (2,4% do PIB)”.

Crescimento da produtividade é o principal risco macroeconómico a longo prazo

O CFP considera que o crescimento da produtividade em Portugal é o principal risco macroeconómico a longo prazo, de acordo com o relatório Riscos Orçamentais e Sustentabilidade das Finanças Públicas, divulgado esta quinta-feira.

“O crescimento da produtividade é o principal risco macroeconómico no longo prazo, à semelhança do que foi identificado no relatório dos Riscos Orçamentais e Sustentabilidade das Finanças Públicas de 2018”, pode ler-se no documento hoje conhecido. A instituição liderada por Nazaré da Costa Cabral adverte, no entanto, que “as projeções para a evolução da produtividade do trabalho estão envoltas em muita incerteza”.

“No cenário do CFP, a recuperação, em 2021-2025, do choque da pandemia e a convergência para um crescimento de 1,1% no longo prazo estão dependentes de um contributo da intensidade do capital que não se observou no passado mais recente de expansão económica, mas se espera que em parte decorra da execução do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]”, refere o documento.

A instituição que escrutina as Finanças Públicas nacionais assinala que o contributo da acumulação de capital “pressupõe a manutenção de condições de financiamento favoráveis e a estabilização do rácio de investimento no produto em torno dos valores projetados para o final do período de execução do PRR (2021-2026)”. O CFP assume “uma trajetória ascendente” do rácio em causa, pressupondo “uma eficiente execução do PRR e absorção dos fundos na economia”.

“Desta forma, uma execução do plano abaixo do esperado poderá levar a rácios do investimento mais reduzidos, prejudicando a intensidade do capital e logo a produtividade do trabalho e o crescimento de longo prazo da economia”, pode ler-se no texto.

Os outros riscos sinalizados pela entidade estão relacionados com o hiato do produto (diferença entre PIB potencial e real), com o impacto da pandemia de Covid-19, com o mercado de trabalho, com o investimento e com a relação da pandemia com a produtividade.

Quanto ao hiato do produto, a sua estimativa “deve ser analisada com cuidado adicional”, devido à “magnitude do choque provocado pela Covid-19 e a elevada incerteza na natureza dos seus efeitos (cíclicos ou estruturais) no produto potencial”.

“Essa incerteza acresce às restantes fontes de incerteza que tipicamente enquadram as estimativas do produto potencial e hiato do produto”, que são habitualmente associados às incertezas quanto a amostras, incorporação de nova informação e metodologias de cálculo do produto potencial. Quanto à pandemia, os seus impactos “na estrutura produtiva da economia portuguesa deverão sentir-se tanto no curto como no longo prazo”.

“Estes poderão materializar-se tanto ao nível do mercado de trabalho, como do investimento, ou das dinâmicas de produtividade, constituindo, assim, um risco relevante para o crescimento da economia nacional”, avisa o Conselho das Finanças Públicas.

Já relativamente ao mercado de trabalho, “ainda que, no curto prazo, não se tenha observado uma redução significativa no emprego, uma possível reorientação dos recursos produtivos dos setores menos produtivos para os setores mais produtivos, ou uma alteração permanente dos padrões de procura da economia, poderão levar a um aumento do desemprego por via da desadequação de competências entre a oferta e procura de emprego”.

Essa desadequação poderá eventualmente originar “o fenómeno de histerese no mercado de trabalho (manutenção da taxa de desemprego em níveis mais elevados)”, que tenderá a “diluir-se de forma gradual, à medida que os trabalhadores com as qualificações desadequadas abandonam o mercado de trabalho ou sejam requalificados”.

No investimento, “no longo prazo não é esperado que o choque pandémico tenha impactos diretos significativos”, tendo sido mais evidentes as consequências no grau de utilização da capacidade produtiva instalada na economia, que se reduziu em 3,1 pontos percentuais “para 75,7% em 2020, o valor mais baixo desde 2009”. Quanto à produtividade, “existe alguma incerteza relativamente aos impactos da pandemia, com alguns fatores a potenciar um aumento da produtividade, enquanto outros a penalizam”.

“Por um lado, os diversos programas de apoio às empresas foram um instrumento importante para conter os efeitos de curto prazo da pandemia”, evitando “a insolvência de inúmeras empresas produtivas, e as perdas da capital humano e físico que daí poderiam advir”, refere o CFP.

Por outro lado, os programas de apoio “poderão ter também um efeito perverso, na medida em que podem permitir que empresas estagnadas, com baixa produtividade e elevado endividamento, e que conseguem sobreviver devido a custos de financiamento reduzidos (usualmente apelidadas na literatura de empresas zombie) permaneçam no mercado”.

Em mais impactos negativos, o CFP elenca a dispensa de recursos para melhorar a organização interna das empresas, a criação de redundâncias nos processos produtivos, os efeitos sobre os jovens, tanto na entrada no mercado de trabalho como na sua formação, e também o aumento do protecionismo.

Dívida pública reduz-se para os 91,1% do PIB até 2035

O rácio da dívida pública sobre o produto interno bruto (PIB) deverá baixar para os 91,1% em 2035, depois do pico de 135,2% atingido em 2020, estima o CFP

“De acordo com a análise de sustentabilidade da dívida apresentada no presente relatório, o CFP projeta que, no cenário base, o rácio da dívida pública assuma uma trajetória descendente ao longo dos próximos 15 anos, atingindo 91,1% do PIB em 2035”, pode ler-se no relatório.

Segundo a instituição presidida por Nazaré da Costa Cabral, o cenário base do CFP assume que “o saldo primário [sem juros] reage à evolução da dívida pública em linha com o verificado no passado recente” e que “os desenvolvimentos económicos e da taxa de juro evoluem em linha com o projetado pelo CFP”. O exercício assenta também nos “valores projetados em políticas invariantes para o período 2021-2025 e estende esse horizonte até 2035”.

“De acordo com essa projeção, a dívida pública em percentagem do PIB apresenta nos dois primeiros anos um ritmo de decréscimo mais acelerado, impulsionado pela recuperação económica dos efeitos da recessão de 2020”, explica o organismo.

Já nos dois anos seguintes do período de análise, entre 2023 e 2025, “deverá observar-se uma descida mais gradual do rácio da dívida, fundamentalmente devido a um crescimento do PIB menos expressivo, ainda que o saldo primário volte a apresentar valores positivos, contribuindo favoravelmente para a diminuição desse rácio”.

“A partir de 2026 e até ao final do horizonte projetado, o efeito crescimento e o efeito saldo primário mais do que compensam o impacto desfavorável do efeito juros, ainda que a taxa de juro implícita da dívida permaneça em níveis historicamente reduzidos”, acrescenta o CFP. A instituição que escrutina as contas públicas nacionais alerta ainda para os riscos “associados ao elevado nível de endividamento em Portugal”.

Alterações climáticas terão “impactos substanciais” nas contas públicas

As alterações climáticas podem vir a causar “impactos substanciais” nas contas do Estado, tanto devido às políticas de adaptação como de mitigação desses efeitos. “É expectável que as políticas associadas a combater os efeitos das alterações climáticas terão impactos substanciais nas finanças públicas”, pode ler-se.

A instituição presidida por Nazaré da Costa Cabral antevê que são as políticas de adaptação das alterações climáticas “aquelas com maior probabilidade de aumentar a despesa pública (incluindo o investimento público), bem como a dívida pública no curto prazo”. No entanto, as políticas de adaptação “poderão aumentar a resiliência para enfrentar as alterações climáticas no longo prazo, e reduzir a severidade dos danos associados a essas alterações para níveis mais moderados”.

Já as políticas de mitigação “também devem ser consideradas nas projeções macro-orçamentais de médio e longo prazo, uma vez que inúmeros estudos mostram que é possível atingir reduções avultadas de emissões de dióxido de carbono ao tributar essas emissões, quer através de impostos ou através de eliminação de subsídios volumosos à indústria dos combustíveis fósseis”, refere o CFP.

A Comissão Europeia divide ainda as medidas ambientais entre discricionárias (determinadas endogenamente, através de políticas) e não discricionárias (determinadas exogenamente, devido a fenómenos de alteração climática).

Nas não discricionárias encontram-se, por exemplo, a despesa pública para substituir infraestruturas danificadas ou transferências sociais para famílias afetadas por fenómenos climatéricos, ao passo que as discricionárias são mais estruturais, como o investimento em infraestruturas resistentes ou subsídios para novas colheitas agrícolas ou deslocalizações de empresas.

O CFP relembra que, “em Portugal, os impostos com relevância ambiental atualmente em vigor podem ser classificados em quatro categorias: impostos sobre a energia; impostos sobre o transporte; impostos sobre a poluição; e impostos sobre os recursos”.

“De acordo com o INE (2021), em 2020, o valor dos impostos com relevância ambiental ascendeu a cerca de 4,77 mil milhões de euros, correspondendo a 6,4% do total das receitas de impostos e contribuições sociais coletado (6,9% em 2019), e constituindo 2,6% da totalidade do PIB no mesmo período (2,7% em 2019)”, assinala o CFP.

Segundo as informações do Eurostat relativas a 2019, citadas pelo CFP, “o peso dos impostos com relevância ambiental no PIB em Portugal (2,5%) foi ligeiramente superior ao da média da UE27 (2,4%)”, sendo que “o peso dos impostos com relevância ambiental no total da receita fiscal e contributiva em Portugal (6,9%) também foi superior à média da União Europeia (5,8%)”.

“Quanto às despesas nacionais em proteção ambiental, em 2018 representaram 1,4% do PIB (mantendo o mesmo valor apresentado em 2017), valor inferior ao da média da União Europeia a 27 países que se fixou em 2,0% do PIB”, adianta o CFP.

Na economia como um todo o CFP adverte para riscos físicos, resultado de eventos diretos relacionados com as alterações climáticas, e para riscos de transição, que compreendem as consequências das políticas destinadas a mitigar os efeitos das alterações.

“Uma súbita e inesperada política de resposta às alterações climáticas pode reduzir os riscos físicos no curto prazo, mas também precipitar um ajustamento desordenado para uma economia descarbonizada que possibilita a materialização de vários riscos de transição”, adverte o CFP.

Por outro lado, “evitar ou procrastinar esse processo de adaptação poderá evitar a materialização dos riscos de transição no curto prazo, mas o aumento contínuo nas emissões de GEE [gases de efeito de estufa] e o consequente aumento das temperaturas globais podem levar à cristalização dos riscos físicos”.

O CFP cita ainda um estudo da Comissão Europeia que dá conta de “que a produtividade do trabalho pode deteriorar-se com o aumento das temperaturas, concluindo que o aquecimento global poderá resultar em reduções médias de até 17% na produtividade do trabalho ao ar livre até ao final do século XXI (assumindo um cenário de aquecimento global elevado, na ausência de ações de mitigação e/ou adaptação)”.

“Tendo em conta que a definição do PIB não incorpora algum futuro benefício da redução do aquecimento global, assumindo tudo o resto constante, é expectável que o preço sombra do carbono potencialmente mais elevado reduza o PIB no curto prazo”, assinala ainda o CFP.

Este efeito acontece, segundo o CFP, porque “as políticas de adaptação que implicam o aumento da tributação das atividades mais intensivas em carbono” acabam por favorecer “menos intensivos e socialmente preferíveis, mas que geram menor valor acrescentado”.

“Até uma tecnologia de baixa intensidade carbónica ficar disponível, uma redução da produção e do consumo de energia devido ao aumento do preço do carbono contribui, ‘ceteris paribus’ [tudo o demais constante], para a redução do PIB”, segundo o CFP.