Em 2015, Nkechi Amare Diallo. dirigente da National Association for the Advancement of Colored People (algo como Associação Nacional Para o Avanço de Pessoas de Cor) tornou-se alvo de uma enorme controvérsia. A ativista pelos direitos raciais, que sempre se apresentou como negra, era afinal uma branca, filha de pai e mãe caucasianos. A revelação causou grande incómodo junto da comunidade afro-americana, que considerou o seu espaço de fala e reivindicação invadido. Até hoje, Diallo continua a dizer que se sente uma mulher branca, que é tudo uma questão de identificação.

Este episódio foi percebido como particularmente ofensivo se tivermos em consideração que, durante décadas, o fenómeno era o oposto: negros — nomeadamente os bi-raciais — a tentarem, quando a sua fisionomia assim o permitia, apresentarem-se como brancos. O fenómeno é conhecido por “passing” (algo como “passar por”) e era usado como uma arma contra a discriminação, mas em forma de farsa. Esta espécie de “ficção da identidade” também é aplicável ao tentar passar por outros géneros, orientações sexuais e até religiões — geralmente como mecanismo de defesa. O termo “Passing” foi cimentado por um romance de 1929 da americana Nella Larsen, que resulta agora nesta adaptação para cinema da realizadora debutante Rebecca Hall, que também escreve e produz.

Hall é, contudo, um nome conhecido da representação, sendo talvez mais recordada como a Vicky de “Vicky, Cristina, Barcelona”, um dos últimos filmes de Woody Allen a colher sucesso de público e de crítica. O impulso para se arriscar noutras lides surgiu há 13 anos, quando teve o ímpeto de começar a escrever o guião deste “Passing” depois de uma leitura do livro a ter deixado “em sobressalto”. É que Hall percebeu que conviveu de perto com “passings” — o seu avô materno passava por branco, o que, segundo a própria “tingiu aspetos da família com muito mistério” que a cineasta finalmente compreendia. Também a sua mãe, a cantora de ópera Maria Ewing, passava por branca, mesmo não tendo assumidamente esse objetivo. “Ela era o que fosse que as pessoas escolhessem ver”, explica Hall, realçando que muitas vezes Maria era considerada apenas “exótica”.

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