Nas 24 horas antes da chegada dos irmãos, Zaid nem conseguiu dormir, entre o entusiasmo e a ansiedade de os ver chegar. Em Portugal, dá o primeiro passo numa nova jornada, ainda que parte da família continue no Afeganistão.

Zaid é incapaz de esconder a felicidade: “Se comparar a minha cara com a da entrevista anterior consegue ver essa felicidade no meu rosto”, apontou.

A razão de tanto contentamento, e dos risos com que vai intercalando a entrevista que deu à Lusa, são os dois irmãos, Tariq e Ahmad, que chegaram recentemente do Afeganistão, com os quais vieram também a esposa e os dois filhos de Tariq, o irmão mais velho de Zaid.

Há cerca de três meses, Zaid contou a sua história à Lusa e como tinha fugido do Afeganistão depois da tomada de poder pelos talibãs, com receio pela sua vida, tendo em conta que durante vários anos trabalhou como tradutor para as forças militares internacionais, três dos quais com as forças portuguesas.

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Na altura, em desespero, admitiu não conseguir dormir e dizia estar numa situação “excruciante” e de permanente sofrimento pela família que tinha deixado para trás, desde logo os pais, mas também dois irmãos, duas irmãs e sobrinhos.

“Quando temos metade do nosso coração algures não conseguimos dormir descansados, mas desde que metade da minha família, os meus dois irmãos, um dos meus irmãos com a sua mulher e os seus dois filhos, estão aqui é claro que sinto paz de espírito”, disse, admitindo dormir “um bocadinho melhor”.

Tariq, o irmão mais velho, com 31 anos, contou que ele, a mulher, os dois filhos e o irmão de 18 anos chegaram a Portugal em 16 de novembro e recordou que dias antes havia recebido uma mensagem por ‘whatsapp’ a dizer para estarem prontos porque iam ser retirados do Afeganistão.

“Nesse momento ficámos muito felizes porque a situação é muito má e esperávamos vir para Portugal”, disse, admitindo terem sentido muito receio pelo facto de desconhecerem como iria correr a retirada, mas que agora sentem que estão em segurança.

Antes da tomada de poder pelos talibãs, Tariq trabalhou para um banco privado e tinha funções dentro dos acampamentos das forças internacionais.

Assim que os talibãs chegaram ao poder, despediu-se com medo de ser capturado e abandonou a casa onde vivia com a família.

“Fugi do Afeganistão com a minha mulher e os dois filhos e espero que comecemos uma nova vida em Portugal, em paz. É um país pacífico, as pessoas são amáveis e esperamos ter aqui um futuro feliz”, adiantou.

No Afeganistão ficaram as duas irmãs e os pais.

“É por isso que estou um bocadinho deprimido e preocupado porque deixei os meus pais e duas irmãs com maridos e filhos, que trabalhavam também com as forças NATO e com o anterior governo afegão. As suas vidas estão em risco e é por isso que estou um bocadinho nervoso e com receio por eles”, admitiu.

Razão que faz também com que Ahmad, o irmão mais novo, esteja “muito triste e deprimido” por saber que os pais estão em perigo sem poderem ainda vir para Portugal, apesar de reconhecer estar “muito feliz” por agora estar seguro.

Teve apenas cerca de seis horas para fugir do Afeganistão e deixou o país apenas com um saco e duas ou três mudas de roupa.

“Estava muito emocionado e feliz e quando chegámos ao aeroporto [em Lisboa] eu estava muito entusiasmado por ver novamente o meu irmão”, lembrou.

Nas 24 horas que antecederam a chegadas dos irmãos, Zaid não conseguiu dormir, tal era o entusiasmo.

“Quando os vi… realmente não consigo descrever em palavras, abracei-os e vi o sonho que eu imaginava com eles, com palavras, com imagens e com sentimentos, a tornar-se realidade. Quando vi os meus dois sobrinhos abracei-os com muita força porque eles são muito especiais para mim e eu tenho um sentimento muito forte por eles”, recordou.

Em declarações à Lusa, o diretor-geral do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) apontou que quando as famílias estão separadas “é muito difícil” trabalhar a sua integração, tendo em conta a pressão psicológica e o facto de estarem “dilaceradas interiormente”.

“Poder haver a reunificação familiar é fundamental para qualquer processo minimamente apaziguador e que se possa falar na integração destas pessoas”, defendeu André Costa Jorge, sublinhando ser “fundamental” que as famílias sejam reunificadas.

Segundo o responsável, ainda não foi possível retirar do Afeganistão “todas as pessoas que estavam na lista” e admitiu receber “praticamente todos os dias” pedidos para incluir mais nomes de pessoas que querem abandonar o país.

“Pessoalmente acho que devemos fazer todo o possível para conseguir retirar estas pessoas. Temos estado em conversações com o governo português e da parte do governo português há vontade de colaborar e poder retirar o maior número possível de pessoas que estejam em risco de vida”, adiantou.

No total, Portugal já recebeu cerca de 300 cidadãos afegãos, num trabalho conjunto entre o JRS, o governo português e com o financiamento da fundação norte-americana Romulus T. Weatherman, que “apoiou e patrocinou o resgate, transporte e acolhimento” destas pessoas, tendo em conta que a União Europeia ainda não definiu um programa de financiamento e, segundo o diretor-geral do JRS, isso só deverá acontecer no início de 2022, no âmbito do próximo quadro comunitário de apoio.

Para já, os apoios definidos por Portugal equiparam estas pessoas a requerentes de asilo espontâneos, algo que André Costa Jorge entende ser “desadequado”, uma vez que estas pessoas foram resgatadas e “de alguma forma foram convidadas a permanecer sob proteção do estado português”.

Nesse sentido, defendeu que o enquadramento legal esteja próximo do que são os programas de reinstalação e recolocação, admitindo que esteja a ser feito trabalho nesse sentido.

A restante família de Zaid já está na lista de candidatos à reunificação, mas ainda não há garantia de se vêm nem muito menos quando.

Por enquanto, Zaid conta os minutos e os segundos até todos estarem juntos novamente e agarra-se à máxima que diz que “todas as jornadas começam com um passo” para definir os próximos passos a dar, como abandonar o centro de acolhimento e mudar-se com a família para um apartamento e encontrar um emprego.

Susana Venceslau (texto) e Pedro Martins (vídeo), Agência Lusa