Numa altura em que o Douro celebra 20 anos de Património Mundial da UNESCO várias vozes alertam para a sustentabilidade económica e social do território e a valorização do trabalho dos viticultores que mantêm a paisagem classificada.

O Alto Douro Vinhateiro Douro (ADV) é paisagem cultural evolutiva e viva da UNESCO desde 14 de dezembro de 2001 e compreende 24.600 hectares, cerca de um décimo da região Demarcada do Douro (RDD).

João Rebelo, investigador do departamento de Economia, Sociologia e Gestão da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), afirmou à agência Lusa que o “primeiro grande desafio” do Douro passa pela “criação e distribuição de valor”, e que isso implica vender os vinhos a um “preço muito superior” ao que vende atualmente, e “políticas redistributivas pela cadeia do valor”.

A criação e distribuição de valor acrescentado é a “questão-chave” para, na sua opinião, evitar o desaparecimento de pequenos, mas principalmente médios produtores.

Para o investigador, outro “vetor importante” passa por “políticas demográficas que retenham população em idade ativa”, designadamente “uma política concertada de imigração”.

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A demografia é um problema complicado porque, de facto, o custo da mão de obra tem um cada vez maior peso nos custos de produção e com as últimas subidas dificilmente as explorações são rentáveis”, frisou.

A produtora de vinho Laura Regueiro, da Quinta da Casa Amarela, apontou também uma preocupação com a sustentabilidade deste território que é classificado, “mas não é um museu”.

“A região, sob o ponto de vista socioeconómico, tem que criar condições que façam com que as populações que aqui vivem e que aqui estão continuem aqui a querer estar e continuem a querer aqui viver”, salientou a empresária.

O caminho passa, defendeu, pela “valorização do produto” e, por exemplo, “pagando melhor” a “qualidade da uva” que os pequenos viticultores entregam.

“Temos de saber valorizar o produto que temos, seja ele vinho, seja ele produto em termos de restauração, hotelaria, enoturismo, em todas as valências que o Douro oferece e sempre com uma preocupação que é a qualidade”, afirmou.

Também Fernando Bianchi de Aguiar, que coordenou o processo de inscrição do ADV na lista do Património Mundial da UNESCO, defendeu ser necessária “uma melhor repartição da riqueza” para que os pequenos produtores não abandonem as suas parcelas.

“A paisagem só se mantém porque há uma atividade que vive dela”, afirmou.

Na sua opinião, as atividades económicas, que são “o principal garante da sustentabilidade desta paisagem”, são os vinhos (Porto e Douro), o azeite e a amêndoa.

E, nestas duas décadas, disse, “houve um decréscimo acentuado” na quantidade de vinho do Porto comercializado, que passou dos cerca de 95 milhões de litros para os 70 milhões de litros.

No dia em que foi apresentado o programa das comemorações dos 20 anos do ADV, a 16 de novembro, o presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), Gilberto Igrejas, disse que se “não for acautelado” o pilar da sustentabilidade social dos 19.633 agricultores que diariamente trabalham as vinhas, “dificilmente” se continuará a ter ADV, zona tampão ou RDD.

Em 2019, o negócio do vinho representou 570 milhões de euros no Douro, tendo-se registado uma quebra de cerca de 50 milhões de euros em 2020 e uma “recuperação em 2021 em relação a 2019”.

“Nós estamos a vender mais e a vender mais caro, estamos a ter mais valor, mas é preciso que esse valor que estamos a colocar nas nossas garrafas, nas nossas exportações, chegue também aos agricultores”, frisou.

Na mesma altura, também o presidente da Câmara de Peso da Régua, José Manuel Gonçalves, disse que é preciso ter em “atenção as pessoas”, a sua sustentabilidade e a sua fixação no território. “Se não houver pessoas não há território e não há paisagem protegida. Este é o nosso maior desafio”, frisou.

Nos últimos 20 anos, o Douro perdeu mais de 30 mil habitantes, registando atualmente cerca de 190 mil habitantes, dos quais um quarto com idade superior a 65 anos.