O arroz doado aos deslocados em Moçambique, em fuga da violência na província de Cabo Delgado, é atualmente trocado por outros alimentos para tentar diversificar a dieta alimentar e combater a fome.

“[Quero] feijão. São quantos quilos de arroz?”, questiona Awae Bacar, uma das muitas moçambicanas que fugiu para o campo de deslocados de Metuge, a meia centena de quilómetros da capital provincial, Pemba.

No mercado informal, os bens recebidos por ONG e programas de apoio internacionais têm quase uma coisa em comum: arroz. Nos centros de distribuição acumulam-se sacas de arroz e em todos os programas de apoio esse é um ingrediente alimentar sempre presente.

Alexandre de Oliveira, também em Metuge, é um dos beneficiários dos bens doados e o lamento é igual: “Só trazem arroz e óleo de cozinha”.

“Não tenho forma de cozinhar só assim, tenho de trocar por folhas ou outra coisa”, diz, enquanto tenta trocar o arroz junto de outros vendedores no centro de Metuge.

O arroz aqui é quase a moeda local, num esforço para tentar combater a fome.

“Estou a desenrascar e a levar arroz para trocar”, porque é preciso “mudar a dieta”, desabafa Alexandre de Oliveira.

A insegurança alimentar é algo que preocupa também as autoridades. No final da semana passada, a presidente do Instituto Nacional de Gestão de Desastres (INGD), Luísa Meque, apelou a deslocados em Cabo Delgado para intensificarem a produção agrícola, por forma a deixarem de depender de doações.

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“Cada casa poderá ter espaço para uma horta e isso já vai mudar um pouco a dieta”, refere, numa alusão a lotes de terreno atribuídos para habitações de caniço e barro.

Não sabemos até quando [os nossos parceiros] vão dar comida. Então, temos de criar uma base sustentável para minimizar o défice de alimentação que temos“, disse aquela responsável, durante uma visita a um centro de deslocados de guerra em Cabo Delgado, situado em Metuge.

Como muitos deslocados são oriundos de “zonas de produção”, agora, nos lotes de terreno que recebem, “vão conseguir fazer alguma coisa”, refere, num apelo para que, apesar das dificuldades em Cabo Delgado, não deixem de praticar a agricultura de subsistência, prática comum à maioria das famílias moçambicanas.

A distribuição de sementes e outros consumíveis agrícolas tem feito parte de algumas doações na província.

Mas os números refletem necessidades urgentes sem resposta: as autoridades moçambicanas estimam que mais de 1,8 milhões de pessoas vivem numa situação de insegurança alimentar aguda no país, das quais cerca de um milhão em Cabo Delgado.

O Programa Alimentar Mundial (PAM) tem anunciado um apoio alimentar humanitário à maioria, mas devido à falta de recursos, as quantidades entregues correspondem a 39% da energia diária de cada pessoa.

A província de Cabo Delgado é rica em gás natural, mas tem sido aterrorizada desde outubro de 2017 por rebeldes armados, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo jihadista Estado Islâmico.

O conflito já provocou mais de 3.100 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e mais de 817 mil deslocados, de acordo com as autoridades moçambicanas.

Desde julho, uma ofensiva das tropas governamentais com o apoio do Ruanda, a que se juntou depois a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), permitiu aumentar a segurança, recuperando várias zonas onde havia presença de rebeldes, nomeadamente a vila de Mocímboa da Praia, que estava ocupada desde agosto de 2020.