Os Prémios Santa Casa Neurociências, atribuídos pela Misericórdia de Lisboa, distinguem este ano investigações de terapias regenerativas para lesões vertebro-medulares com proteínas de células estaminais e tratamento da doença de Alzheimer com um composto que atua no cérebro.

O trabalho coordenado pelo biólogo António Salgado, do Instituto de Investigação para as Ciências da Vida e da Saúde da Escola de Medicina da Universidade do Minho, foi reconhecido com o Prémio Melo e Castro, no valor de 200 mil euros e destinado a apoiar estudos que potenciem a recuperação e o tratamento de lesões vertebro-medulares.

O estudo liderado pela neurofarmacologista Maria José Diógenes, do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes da Universidade de Lisboa, foi galardoado com o Prémio Mantero Belard, também no montante de 200 mil euros e que financia a investigação científica ou clínica de doenças neurodegenerativas associadas ao envelhecimento, como Parkinson e Alzheimer.

Maria José Diógenes e António Salgado já tinham sido premiados com estas bolsas em edições anteriores.

Os Prémios Santa Casa Neurociências, considerados os mais importantes da área a nível nacional, são concedidos anualmente pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), que esta segunda-feira anunciou os premiados de 2021.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Num estudo precedente, a equipa coliderada por António Salgado e pelo colega Nuno Silva descobriu que ratinhos com diferentes lesões vertebro-medulares (motoras ou não) melhoraram após a administração de secretoma (proteínas segregadas por uma célula para o espaço extracelular e que entram em contacto com células vizinhas).

No caso, o secretoma (que permite às células comunicarem entre si) foi o de células estaminais mesenquimatosas isoladas do tecido adiposo. As células estaminais mesenquimatosas, por definição, são células que se diferenciam noutras e existem em diferentes tecidos do corpo humano, sendo por isso consideradas relevantes no processo regenerativo.

Face aos resultados anteriores obtidos, a equipa de António Salgado e Nuno Silva juntou-se ao grupo de investigação liderado por Ana Colette Maurício, do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto, para estudar com mais detalhe o “forte potencial” regenerativo do secretoma usando como modelos culturas de células estaminais, organoides (réplicas de tecidos humanos) e ratos.

A ideia, agora, é “aproximar este trabalho a uma potencial aplicação clínica”, disse à Lusa o investigador António Salgado, acrescentando que na fase final do estudo a utilização terapêutica do secretoma de células estaminais mesenquimatosas será testada em cães referenciados por veterinários com vários tipos de lesões vertebro-medulares.

Estas lesões, que ocorrem na medula espinal, “a autoestrada que permite a comunicação entre o cérebro e o resto do corpo”, em que impulsos nervosos controlam “um sem número de tarefas” diárias, podem causar, por exemplo, paraplegia, disfunção sexual e perda de controlo das funções urinária e respiratória.

“Ao contrário da maior parte dos tecidos do corpo humano, o tecido nervoso apresenta uma baixa capacidade de regeneração”, sublinhou António Salgado.

A neurofarmacologista Maria José Diógenes coordena o trabalho que pretende “confirmar o potencial terapêutico de um composto” criado por uma vasta equipa de investigação num estudo anterior.

“Este composto foi concebido para proteger os efeitos neuroprotetores de uma molécula muito importante para o cérebro, a BDNF”, afirmou à Lusa a investigadora, salientando que “esta molécula é crucial para os processos de memória e aprendizagem”.

Nos doentes de Alzheimer, “a função da BDNF está diminuída porque o local onde a molécula se liga para exercer o seu efeito está destruído”.

A equipa de investigação de Maria José Diógenes, do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes e da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, em colaboração com parceiros nacionais e internacionais, descobriu anteriormente “uma forma de prevenir a destruição do local de ligação, onde a BDNF atua”, testando com êxito em ratinhos (que mimetizavam a doença de Alzheimer) a administração de duas doses do novo composto.

Agora, no novo trabalho, será necessário “escolher as doses que produzem efeito terapêutico com a mínima toxicidade associada” depois de estudar o comportamento do composto no organismo dos roedores.

“A eficácia do novo composto será também testada em estruturas formadas por células humanas e que mimetizam o cérebro humano, os chamados organoides”, adiantou Maria José Diógenes.

O júri dos Prémios Santa Casa Neurociências 2021, que esta segunda-feira serão entregues pela SCML, em Lisboa, foi presidido pela neurologista Catarina Resende de Oliveira, da Universidade de Coimbra.