José Sócrates deixou duras críticas à Justiça portuguesa pela decisão do Tribunal de Instrução Criminal no que diz respeito às medidas de coação do seu ex-ministro da Economia, Manuel Pinho. “Vergonha”, descreveu o ex-primeiro-ministro, acusando o Estado de “violência ilegítima”.

Num artigo de opinião publicado desta quarta-feira no Diário de Notícias, Sócrates referiu que os procuradores Ministério Público “decidiram aproveitar a janela de oportunidade para agir“, que consistiu num intervalo “entre a decisão do juiz Ivo Rosa ficar em exclusividade com o processo BES” e “a próxima entrada em vigor da lei que alarga para sete o número de juízes do tribunal de instrução”. “Este era o momento”, ironizou o ex-primeiro-ministro, sinalizando que a Justiça queria escolher “o juiz certo“, neste caso Carlos Alexandre.

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Sócrates comparou mesmo o sucedido com o que acontece numa “ditadura”, uma vez que o juiz é “escolhido de acordo com os visados do inquérito”. “Esta é a dimensão da vergonha do que se passou naquele tribunal”, criticou, acrescentando que se em vez de “apresentarem a acusação e as provas para que os cidadãos se possam defender”, resolve-se “prender para humilhar, para ferir, para poderem exibir a prisão como prova.”

Relacionado o caso de Manuel Pinho com o de que é arguido — a Operação Marquês –, José Sócrates referiu que “tudo isto começou com o governo de Passos Coelho”, que decidiu “criminalizar as políticas do governo anterior [de Sócrates]”.

O ex-primeiro-ministro afirmou que a “distribuição do processo Marquês foi viciada e o juiz escolhido de forma fraudulenta”, algo confirmado por decisão instrutória que “já transitou em julgado”. O ex-primeiro-ministro disse mesmo que as normas legais que regulam a distribuição de processo no Tribunal de Instrução Criminal não foram cumpridas: “Durante um ano e meio aquele tribunal funcionou como tribunal de exceção”.

Salientando que Ivo Rosa e Carlos Alexandre não fizeram nada “para corrigir a situação“, Sócrates indicou que “os processos simplesmente caíam-lhes nas mãos e era quanto bastava”, sendo que os dois magistrados sabiam, de antemão, que o “sistema de distribuição estava viciado e que garantia constitucional do juiz natural estava a ser negada a dezenas e dezenas de cidadãos”. “Sabiam e nada faziam.”

“Talvez devamos ir um pouco mais longe na descrição do escândalo: no mais importante tribunal de combate à corrupção, as regras legais e as garantias constitucionais foram pervertidas em favor de interesses espúrios”, acusou Sócrates, que destacou que o combate à corrupção “começou por corromper a lei”.

Naquele tribunal, “escolhia-se o juiz de forma ad-hoc. Naquele tribunal, escolhia-se o juiz que mais interessava à chamada “dimensão mediática do processo”, denunciou Sócrates, que diz “mais de sete anos depois, voltamos ao mesmo” com uma agravante: “Agora já nem é preciso fraudar a distribuição porque só está um juiz em serviço no tribunal”.

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“Os procuradores simplesmente escolheram o momento em que podiam também escolher o juiz. O juiz adequado ao caso. O juiz que garante aos procuradores o uso de medidas de excecional violência que nada tem a ver com o estado de direito”, sintetizou o ex-primeiro-ministro.

Manuel Pinho foi ministro de Economia do primeiro governo de José Sócrates.