Três rajadas de seis tiros, disparadas por militares timorenses, marcaram esta sexta-feira o funeral do jornalista Max Stahl, no cemitério de Santa Cruz, onde em 12 de novembro de 1991 filmou o massacre de dezenas de jovens por soldados indonésios.

Os sons secos dos disparos, perante as lágrimas da viúva e filhos de Stahl, lembraram os sons e imagens que há 30 anos chegaram às televisões de todo o mundo, no primeiro registo em vídeo do que estava a ser a sangrenta ocupação de Timor-Leste.

A urna, transportada por um soldado timorense, ficou enterrada num túmulo, cuja lápide vai recordar a obra de Max Stahl, no único funeral permitido neste cemitério, fechado há vários anos.

Exatamente no mesmo local onde escondeu as cassetes de vídeo com o registo que ajudou a despertar a consciência internacional para a luta pela independência de Timor-Leste, foi colocada a urna com as cinzas do jornalista, decorada com símbolos timorenses pelo artista Tony Timor.

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A viúva, Ingrid, e três dos quatro filhos de Stahl (Barnaby, Leo e Malin), de lágrimas nos olhos depois de vários dias de emoções intensas neste regresso a casa do jornalista, foram os primeiros a lançar terra no túmulo.

Seguiram-se vários líderes do país e representantes de várias estruturas da resistência à ocupação indonésia, numa homenagem a que se associaram muitos anónimos.

As últimas exéquias, marcadas pela emoção e com a presença de vários sobreviventes do massacre de Santa Cruz, foram testemunhadas por vários líderes, entre eles o ex-Presidente timorense José Ramos-Horta e o comandante das Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL), Lere Anan Timur.

Orações, cânticos, poemas e canções compostas especialmente para o momento concluíram uma jornada que começou com uma missa na Igreja de Motael e depois uma marcha — ecoando o percurso da marcha de 12 de novembro de 1991 — até ao cemitério de Santa Cruz.

Numa mensagem lida nas cerimónias, o Presidente timorense, Francisco Guterres Lú-Olo, manifestou “profunda consternação” pela morte de Max Stahl, que considerou “um filho inesquecível” do povo timorense.

“Pela excecional contribuição que deu à nossa causa, o nosso Estado decidiu condecorar este nosso irmão e conceder-lhe cidadania leste-timorense”, referiu na mensagem.

Max Stahl fez de Timor-Leste a sua pátria, a sua terra. Os seus restos mortais ficarão no cemitério de Santa Cruz no local onde ele de maneira corajosa e abnegada enterrou as imagens que tinha registado e que eram a prova de que o mundo necessitava para se convencer da resistência que o povo timorense opunha ao ocupante”, disse.

Em representação do chefe do Governo timorense, o ministro da Presidência do Conselho de Ministros, Fidelis Magalhães, referiu-se ao “sentimento nacional coletivo” de consternação com a perda de Stahl, afirmando que muitos no país “tiveram as suas vidas tocadas pelo trabalho” do jornalista.

“Se não tivesse feito o que fez a 12 de novembro de 1991, a luta pela liberdade não teria chamado a atenção das grandes potências e ativistas em todo o mundo. Forneceu as tão necessárias munições ao nosso esforço diplomático no estrangeiro, sem as quais a liberdade teria demorado muito mais tempo e muitas mais vidas teriam sido perdidas”, considerou.

“Esta cerimónia é agraciada pela presença de todos — de todos os quadrantes da vida. Os líderes nacionais também estão representados nesta cerimónia. Este é um grande momento de unidade. Estamos unidos em prestar homenagem à memória de Max e por um desejo partilhado de manter o seu legado”, frisou.

Fidelis Magalhães disse ser esta também uma oportunidade, lembrando o contributo de Max, para destacar a “importância de preservar a memória e os registos históricos de uma nação”.

“Max era inglês, mas é timorense. Tão timorenses como eu, como tu, como nós. E, como aqueles que o precederam, será para sempre parte da nossa memória nacional”, frisou, recordando os nomes de outros jornalistas que deram a vida por Timor-Leste.

Na nossa cosmologia timorense, o espírito dos falecidos não parte para outro mundo. Os espíritos ficam e transformam-se na paisagem. Tornam-se uma fonte de potência para proteger e florescer o crescimento da comunidade e da nação. Não vão longe. Os espíritos estão mais perto de nós mais do que nunca: eles residem nas nossas montanhas alcançando o céu. Estão connosco, indivisíveis! Estão no nosso coração. Está no nosso coração”, disse.

O governante reafirmou o empenho do executivo em garantir uma resolução do estatuto do arquivo, legado por Max Stahl, para “garantir a autonomia e, ao mesmo tempo, garantir a sua sustentabilidade”.