Manuel Pinho, ex-ministro da Economia do governo de José Sócrates detido esta semana na sequência do caso EDP, nega “ter recebido um euro que seja do BES ou do GES, que não fosse devido”. Em entrevista ao Expresso e à SIC, a partir da casa onde cumpre prisão domiciliária, em Albufeira, diz ainda que “não fez bem” em aceitar um lugar no Governo: “É evidente que me prejudiquei imenso em todos os aspetos. Perdi uma fortuna incalculável”. “Uma pessoa tem de reconhecer quando erra.”

Em relação à EDP, o ex-ministro afirma que tomou “várias decisões” que inclusive a prejudicaram por lhe “criar mais concorrência”. “Uma das primeiras iniciativas foi atribuir uma profusão de licenças para construção de centrais a gás”, lembra, elencando ainda um “grande concurso eólico” e a “construção de novas barragens”.

Recusou ainda haver promiscuidade entre o governo que integrou e a EDP, reforçando que “não houve favorecimento” na ordem dos 1.200 milhões de euros. A seu ver, os “consumidores portugueses não foram prejudicados”. “Não há ninguém no mundo que consiga provar isso. Portanto, é um processo que não tem objeto e depois derivou em muitas direções”.

“Para mim seria totalmente insuportável se um dia fosse provado que eu favoreci o BES, a EDP ou o que for”, afirma Manuel Pinho.

“Manuel Pinho terá causado um prejuízo de 1,2 mil milhões de euros aos portugueses”

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No que concerne ao BES, Manuel Pinho considera que agiu de forma independente, dizendo estar a ser “prejudicado por várias relações de proximidade”. Revela ainda que não fala com Ricardo Salgado “há cinco ou seis anos”, numa altura em que o “dr. Salgado se sentia muito sozinho, e é natural”.

“Não mantive nenhuma avença com o Grupo Espírito Santo,” assegura, esclarecendo que sobre os 15 mil euros que recebia mensalmente “na altura certa” dará “a resposta certa”. E deixa uma ameaça: “Quando uma pessoa quer dar um tiro, que seja no alvo, e que não seja como os cowboys a dar tiros para o ar.”

No que diz respeito à relação com Sócrates, Manuel Pinho confirma que existe uma “boa relação pessoal” e que fala com ex-primeiro-ministro “com alguma frequência”. “Por que razão é que não havia de falar com Sócrates?”, questiona. Estranha ainda que algumas pessoas que “dependeram tanto dele e que o bajulavam tanto” agora lhe “viram as costas”. “Ele esteve muito tempo preso sem culpa formada e isso é uma coisa inadmissível numa democracia”, frisa.

Pinho contesta a “justiça totoloto”

O ex-ministro diz também que “sabia há dez anos que estava a ser investigado” e que, por isso, a prisão domiciliária e a caução a que foi condenado não fazem sentido. “Ia fugir à 25.ª hora?”, questionou. E critica a Justiça portuguesa: “Vai parar-se a um juiz, sabe-se que a decisão é uma, a decisão é outra. Veja-se o meu caso. […] Uma pessoa pode sair-lhe a prenda ou a fava, a justiça totoloto não é uma justiça justa”. 

Questionado pelo facto de o MP ter invocado o perigo de fuga para a pena a que foi condenado, Manuel Pinho refere que nunca solicitou “nenhum adiamento”. “Vivo em Espanha e faço normalmente 900 quilómetros de carro”.

Outro dos motivos apontados pelo MP era o facto de o ex-ministro ter “andado a fechar contas bancárias em Portugal”, algo que diz ser “totalmente falso”. “Eu tenho uma conta bancária em Portugal, no Novo Banco, que é onde é depositada a minha reforma”, reforça.

Dizendo que tem “legado a defender”, o ex-ministro salienta quer manter uma imagem positiva junto aos “filhos” e dos “formidáveis alunos” que teve ao longo da vida. Destaca ainda que “tem a defender o legado das energias renováveis”, que são “as energias do futuro”.

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Manuel Pinho está em prisão domiciliária com pulseira eletrónica, medida que foi decretada pelo juiz Carlos Alexandre, por se declarar incapaz de pagar uma caução de seis milhões de euros, a maior de sempre da Justiça em Portugal.

Alexandra Pinho, também visada neste processo, tem de se apresentar quinzenalmente às autoridades. Também lhe foi decretada uma caução, neste caso de um milhão de euros, que igualmente se disse incapaz de cumprir. Sobre a sua mulher, Manuel Pinho diz ser “fantástica” que passou um “momento muito difícil”: “Foi fenomenal”. “Na sessão que teve no Ministério Público foi muito inteligente e respondeu a todos os pontos que lhe dizem respeito no despacho que lhe entregaram”, afirma, acrescentando que é “uma injustiça tremenda” que a família tenha sido envolvida neste caso.

Sobre as próximas semanas, admite que vão ser muito “duras”. “Tento manter o espírito alto tanto quanto posso, mas de vez em quanto vamo-nos abaixo. Somos humanos.”

As suspeitas contra Manuel Pinho

O ex-ministro da Economia de José Sócrates é suspeito da alegada prática dos crimes de corrupção passiva, participação económica em negócio, fraude fiscal e branqueamento de capitais no caso EDP. Na prática, o Ministério Pública imputa-lhe indícios de que terá sido corrompido por António Mexia e João Manso Neto, ex-líderes da EDP, e por Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, nos contratos de fornecimento elétrico denominados de Contratos de Equilíbrio e Manutenção Contratual (CMEC).

Um dos indícios mais fortes reunidos contra Pinho são as alegadas contrapartidas de mais de 3,9 milhões de euros do Grupo Espírito Santo (GES). Um parte substancial desse valor foi pago pelo GES de Ricardo Salgado durante o mandato de Manuel Pinho como ministro da Economia, nomeadamente através de um avença mensal de cerca de 15 mil euros transferida pela sociedade offshore Espírito Santo (ES) Enterprises, o alegado saco azul do GES, para a Tartaruga Foundation, uma sociedade de Manuel Pinho sediada no Panamá.

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Depois de ter interrogado Manuel Pinho no final de julho, os procuradores do caso EDP solicitaram documentação ao Novo Banco — que assumiu e gere o arquivo do BES — sobre os salários que Alexandra Pinho recebia enquanto curadora da coleção de fotografia BES Art e os negócios imobiliários e créditos concedidos à sociedade imobiliária Pilar Jardim, detida a meias pelo casal Pinho.

Os magistrados do Ministério Público concluíram que Alexandra Pinho ganhava 6.930 euros mensais como alta funcionária do BES — valor que os procuradores somam aos cerca de 15 mil euros depositados mensalmente, entre 2005 e 2009, na conta da Tartaruga Foundation no Banque Privée Espírito Santo.

O caso EDP tem ainda como arguidos Artur Trindade, ex-secretário de Estado da Energia, João Conceição, antigo consultor de Manuel Pinho e atual administrador da REN, e Miguel Barreto, antigo diretor-geral da Energia, entre outros.