O Tribunal de Contas diz que há um “elevado incumprimento” do dever de comunicação de contratos feitos ao abrigo de medidas especiais de contratação pública e considera que este regime, com procedimentos não concorrenciais, “deve cessar assim que possível”.

O Tribunal de Contas (TdC) divulgou, esta terça-feira, o relatório sobre as medidas especiais de contratação pública, a propósito da lei (que entrou em vigor em 20 de junho de 2021) que cria o regime excecional de simplificação de procedimentos pré-contratuais, caso do alargamento da utilização do ajuste direto e da consulta prévia simplificada, designadamente para projetos financiados por fundos europeus ou ligados à execução do Programa de Estabilização Económica e Social e do Plano de Recuperação e Resiliência.

Os contratos celebrados ao abrigo deste regime de valor inferior a 750 mil euros devem ser remetidos ao Tribunal de Contas para fiscalização concomitante (já que não estão sujeitos a fiscalização prévia).

Segundo o Tribunal de Contas, no relatório datado de dezembro e divulgado terça-feira, entre 20 de junho e 20 de novembro foi enviada informação sobre 96 contratos (no valor total de 5,6 milhões de euros).

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No mesmo período, indica, foram registados no mesmo portal BASE 237 contratos classificados como medidas especiais de contratação pública, dos quais 203 não terão sido comunicados ao TdC. Pode ainda haver contratos que não tenham sido comunicados ao TdC nem tenham sido publicados no portal BASE.

Os 96 contratos representam ainda apenas 0,43% do número total de contratos públicos de valor inferior a 750 mil registados no portal BASE no mesmo período (22.420, que não têm de ser todos ao abrigo deste regime excecional).

No relatório, o Tribunal de Contas diz que “esperava um maior volume de contratos celebrados ao abrigo de medidas especiais de contratação pública“, considerando que o “reduzido número de contratos comunicados pode indiciar um impacto insignificante do regime introduzido ou, ao invés, um incumprimento generalizado do dever de comunicação dos contratos”.

O TdC diz que o não cumprimento de comunicação dos contratos “pode constituir infração financeira”, estando agora a fazer uma “procura ativa” de informação para atuar, podendo abrir auditorias.

Dos contratos remetidos, o maior número de contratos (49) é de entidades da administração local, embora o maior montante contratado (1,9 milhões de euros) seja do setor empresarial do Estado. Não foi reportado qualquer contrato das entidades das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

Dos contratos comunicados, 95,8% dos casos e 89,4% do montante é referente a ajuste direto simplificado e consulta prévia simplificada.

Os contratos são sobretudo de aquisição de serviços. Ainda 51% dos contratos não foram passados a escrito.

Dos contratos remetidos, 29 (em 96) foram comunicados fora do prazo estabelecido, pelo que podem também ser sancionados.

Dos contratos remetidos, 20,8% (mas representando 72,8% do montante) não foram submetidos por procedimento aberto, assim, diz o tribunal, “o principal e mais visível impacto da aplicação das medidas especiais de contratação pública é um maior recurso aos procedimentos de ajuste direto simplificado e de consulta prévia, os quais não envolvem abertura à concorrência”.

Neste relatório, o Tribunal de Contas faz também alertas sobre a dispensa da obrigação de concursos para contratos públicos, considerando que tal “se afasta dos princípios constitucionais e administrativos aplicáveis na ordem jurídica portuguesa e do entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça da União Europeia” e também “não está em linha com as boas práticas nem com as recomendações internacionais em matéria de contratos públicos”.

Diz ainda que é “legítimo questionar se a adoção legislativa das medidas especiais de contratação pública é conforme com princípios tão estruturais ou apresenta fundamentação suficiente para se afastar dele”.

O TdC admite que em muitos países, devido à crise que a Covid-19 originou, se aplicaram procedimentos para acelerar a contratação pública, mas acrescenta que “a excecionalidade desse expediente deve cessar assim que possível, dando lugar à reposição dos controlos normalmente aplicáveis, em vez de ser prolongada e generalizada”.

O Tribunal de Contas afirma ainda que “o risco acrescido ligado ao desrespeito por princípios fundamentais contrasta com a reduzida utilização do regime e a consequente falta de impacto para a consecução dos objetivos pretendidos”, o estímulo da economia e acelerar o uso de fundos europeus.

O diploma acerca deste assunto estabelece medidas especiais de contratação pública para projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus, de habitação e descentralização, de tecnologias de informação e conhecimento, de saúde e apoio social, de execução do Programa de Estabilização Económica e Social (PEES) e do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), de gestão de combustíveis no âmbito do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR) e de bens agroalimentares.

A lei altera ainda o Código dos Contratos Públicos, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos e o regime jurídico aplicável à constituição, estrutura orgânica e funcionamento das centrais de compras.

As medidas especiais de contratação pública e as alterações ao Código dos Contratos Públicos “só se aplicam aos procedimentos de formação de contratos públicos que se iniciem após a sua data de entrada em vigor, bem como aos contratos que resultem desses procedimentos”, estabelece a lei.

Esta lei foi promulgada em 7 de maio pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tendo em conta as alterações introduzidas no parlamento na sequência do seu veto de dezembro.

Segundo uma nota publicada no sítio oficial da Presidência da República na Internet, Marcelo Rebelo de Sousa promulgou este decreto “atendendo às alterações introduzidas, decorrentes do solicitado ao parlamento, ainda que, nalguns domínios, tímidas, e apesar de prever um aumento de despesa, de montante bem determinado, não previsto no Orçamento do Estado para 2021, mas considerando que o diploma teve o voto favorável do partido do Governo e dada a urgência de entrada em vigor desta lei”.

Este decreto foi aprovado pela Assembleia da República em 15 de abril, com votos favoráveis da bancada socialista, abstenções do PSD, do Chega e da deputada não inscrita Cristina Rodrigues e votos contra das restantes bancadas e deputados.

O chefe de Estado tinha vetado em 5 de dezembro do ano passado uma primeira versão deste decreto e justificou essa decisão com a exigência de um maior controlo da legalidade como contrapartida para uma maior simplificação.

Na altura, foi aprovado na Assembleia da República apenas com votos a favor do PS e abstenção do PSD.

Na base deste decreto esteve uma proposta de lei do Governo, que considerou esta legislação essencial para agilizar o processo de execução dos fundos europeus nos próximos anos.