A intervenção militar da Rússia no Cazaquistão para controlar tumultos populares pode ser uma oportunidade para aumentar a influência na ex-república soviética, mas também para o novo líder cazaque se impor com apoio russo, afirmaram analistas à Lusa.

O Cazaquistão, o maior país da Ásia Central, está, desde domingo, envolto em tumultos após manifestações de protesto contra o aumento dos preços do gás liquefeito, um dos combustíveis mais utilizados nos transportes do país, de 60 tengues por litro (0,12 euros) para o dobro, 120 tengues (0,24 euros).

Na sequência de um apelo do Presidente do Cazaquistão, Kassym-Jomart Tokayev, à Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), aliança que reúne seis ex-repúblicas soviéticas, tropas da Rússia e de outros países aliados chegaram ao Cazaquistão na quinta-feira para apoiar o governo.

No discurso, Tokayev manifestou-se “especialmente grato” ao Presidente russo Vladimir Putin por ter enviado o contingente militar.

Especialista em estudos sobre a Rússia e Eurásia do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS na sigla inglesa), Nigel Gould-Davies considera que Putin “provavelmente vê esta como uma oportunidade significativa para estender a influência da Rússia sobre o Cazaquistão, à qual tem resistido há muito tempo”.

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Em declarações à Agência Lusa, disse que um regime cazaque enfraquecido em dívida com a Rússia pode favorecer Putin.

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“Isso prejudicaria a política externa relativamente equilibrada do Cazaquistão, afastando-o do Ocidente e ficando mais perto da Rússia”, acrescentando que este cenário “pode enfraquecer a influência da Europa”.

A diretora do programa Wider Europe do Conselho Europeu das Relações Externas (ECFR), Marie Dumoulin, lembra que o Cazaquistão sempre tentou manter uma “política externa equilibrada entre a Rússia, China e União Europeia”, mas que Moscovo sempre foi preponderante.

“Existem alguns investidores europeus, mas a Europa nunca foi muito influente no Cazaquistão”, disse à Lusa.

Na opinião desta antiga diplomata francesa, o recurso de Tokayev à OTSC é uma forma de se afirmar como líder do país, cujo poder herdou em 2019 de Nursultan Nazarbayev, que liderou a antiga república soviética durante 29 anos desde a independência, em 1990.

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“Tokayev vai ter de se impor como novo líder, essa é uma das razões para pedir a intervenção, para garantir o apoio da Rússia”, justificou.

Ambos os analistas concordam que os tumultos, espoletados pela subida dos preços dos preços do gás liquefeito, um dos combustíveis mais utilizados nos transportes do país, refletem uma insatisfação crescente entre os cazaques.

Marie Dumoulin, do ECFR, sublinha o papel de uma parte de população marginalizada, sobretudo de áreas urbanas, que tem vindo a fazer exigências de melhorias socioeconómicas, a cujos protestos se associaram jovens de classe média.

“As origens mais amplas de descontentamento são bem conhecidas e surgem há algum tempo – especialmente a corrupção e a distribuição desigual das receitas dos recursos naturais. Mas ninguém esperava que levaria a protestos em todo o país na escala e gravidade que vimos agora. Muito [sobre os protestos] permanece misterioso”, admite Gould-Davies, do IISS.

O Presidente cazaque, Kasim-Yomart Tokayev, anunciou que deu a ordem de “disparar a matar”, sem aviso prévio, contra os manifestantes, que qualificou de “bandidos”.

Pelo menos 26 manifestantes e 18 membros das forças de segurança foram mortos e centenas ficaram feridos nos distúrbios e confrontos, e milhares de pessoas foram detidas.

O Presidente cazaque acusou a comunicação social e políticos estrangeiros de terem instigado os protestos, que se iniciaram no domingo após o anúncio de um aumento dos preços do gás liquefeito, um dos combustíveis mais utilizados nos transportes do país.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o Presidente francês, Emmanuel Macron, apelaram, em Paris, ao fim da violência no Cazaquistão, manifestando a sua “grande inquietude” com a situação no país.