O “stock” da dívida interna contraída pelo Governo cabo-verdiano aumentou 15,1% em dez meses de 2021, para mais de 97.122 milhões de escudos (872,2 milhões de euros) até outubro, segundo dados compilados hoje pela Lusa.

O endividamento interno do Governo central ascendia a praticamente 84.315 milhões de escudos (757,2 milhões de euros) em 1 de janeiro de 2021 e foi aumentando mensalmente até ao pico registado no final de outubro, traduzindo-se num crescimento nominal, em dez meses, superior a 12.800 milhões de escudos (115 milhões de euros), de acordo com o mais recente relatório estatístico mensal do Banco de Cabo Verde (BCV).

Face à crise económica provocada pela pandemia de Covid-19, com a ausência quase total de receitas do turismo desde março de 2020 – setor que garante 25% do Produto Interno Bruto (PIB) e do emprego – o Governo cabo-verdiano tem recorrido ao endividamento interno, através de Obrigações do Tesouro (maturidades longas) e Bilhetes do Tesouro (maturidades curtas), para financiar as medidas de apoio à economia e às famílias.

No final de 2019, antes da crise provocada pela pandemia, o “stock” do endividamento interno do Governo central rondava os 73.343 milhões de escudos (662,6 milhões de euros).

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A banca cabo-verdiana detinha no final de 2019 quase 45.628 milhões de escudos (412,2 milhões de euros) na dívida emitida internamente pelo Governo central, valor que chegou a mais de 53.278 milhões de escudos (478,7 milhões de euros) em outubro de 2021, segundo os dados do DCV.

O Presidente cabo-verdiano, José Maria Neves, alertou em 3 de janeiro que o aumento do limite do endividamento interno, de 3% até 6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022, poderá expor o país à insustentabilidade da dívida pública e pediu melhorias.

“Com a aprovação do aumento do limite de endividamento interno, de 3% para 6%, Cabo Verde ficou ainda muito mais exposto aos problemas críticos da insustentabilidade da dívida pública, com todas as consequências daí advenientes, no futuro próximo”, escreveu o Chefe de Estado na mensagem de promulgação do Orçamento do Estado de 2022 (OE2022), enviada à Assembleia Nacional.

Entre as consequências, José Maria Neves apontou a falta de credibilidade externa para a contração de mais dívida externa, o enorme peso do serviço da dívida, o enxugamento da liquidez interna e considerou mais grave a falta de recursos para os investimentos imprescindíveis ou absolutamente necessários.

“Com efeito, à semelhança dos orçamentos anteriores, também no OE2022 as receitas correntes, mesmo que o PIB cresça à taxa máxima prevista (6%), não chegam para financiar as despesas correntes, sendo que uma parte das despesas de funcionamento e todo o investimento público previsto deverão ser financiados com recurso ao endividamento público. Esta situação, já recorrente nos últimos anos, pode comprometer seriamente a sustentabilidade das finanças públicas e o futuro”, alertou.

Nesta linha, mostrou-se preocupado pelo facto do montante previsto para o serviço da dívida pública em 2021, no valor de 24,4 mil milhões de escudos (221 milhões de euros), perfazer 59,2% das receitas fiscais (impostos) previstas.

“O que significa que mais de metade dos impostos que os cabo-verdianos pagarão em 2022 será utilizada para a amortização e o pagamento de juros da dívida soberana“, notou José Maria Neves, entendendo que esta situação não pode continuar.

“Sob pena de Cabo Verde hipotecar o futuro da sua população em favor do consumo de hoje, pelo que tenho por recomendável que seja substancialmente melhorada a capacidade e o sistema de gestão da dívida pública”, prosseguiu.

Este foi o primeiro Orçamento do Estado promulgado por José Maria Neves, antigo primeiro-ministro e que tomou posse em 09 de novembro, após ser eleito à primeira volta nas presidenciais em 17 de outubro de 2021.

Em 09 de dezembro, os três partidos representados no parlamento cabo-verdiano (MpD, PAICV e UCID) aprovaram um projeto de lei que permitirá ao Governo aumentar o limite do endividamento interno até 6% do PIB em 2022, para financiar o Orçamento do Estado.

A iniciativa conjunta, que também envolveu o Governo, suportado politicamente pelo MpD, permitiu travar o anunciado aumento da carga fiscal em 2022 de 15% para 17%.

Na altura, o vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia, afirmou que Cabo Verde vive um “momento desafiante”, face à crise provocada pela pandemia de Covid-19 e ausência de turismo desde março de 2020, setor que garante 25% do PIB e do emprego.

Admitiu que o recurso ao endividamento é “a melhor solução” precisamente para evitar “ir contra o ciclo” atual, com o aumento de impostos em 2022, proposta que o Governo já tinha levado ao parlamento por três vezes em pouco mais de um ano (dezembro de 2020, julho e novembro de 2021) e tinha sido sempre rejeitada pelo PAICV, maior partido da oposição cabo-verdiana, até então.

O OE2022 é de 73 mil milhões de escudos cabo-verdianos (662 milhões de euros), prevê um crescimento económico de até 6%, inflação entre 1,5% e 2%, défice orçamental de 6,1%, o ‘stock’ da dívida pública de 150,9% do PIB e taxa de desemprego de 14,2%.