O bloqueio da ajuda humanitária na conturbada província etíope de Tigray faz com que a população viva um verdadeiro “inferno”, único no mundo, e é um “insulto à humanidade”, denunciou esta quarta-feira a Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Em nenhum outro lugar do mundo estamos a testemunhar um inferno como em Tigray”, disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, que falava na conferência de imprensa diária daquela agência da ONU e que nasceu naquela província do norte da Etiópia, palco desde 4 de novembro de 2020 de confrontos entre forças governamentais e os rebeldes das Forças Populares de Libertação de Tigray (TPLF, na sigla em inglês).

“É inacreditável e inimaginável que no nosso tempo, no século XXI, um governo negue ao seu próprio povo, há mais de um ano, acesso a alimentos, remédios e tudo mais que necessita para sobreviver”, salientou Tedros, que defendeu a resolução “política e pacífica” do conflito.

O conflito em Tigray já provocou milhares de mortos e a região, segundo a ONU, sujeita a um “bloqueio de facto”, precisa de ajuda humanitária, como alimentos e remédios.

Desde meados de julho de 2020 que a OMS não está autorizada a enviar medicamentos e equipamento médico para Tigray, apesar de repetidos pedidos, feitos mesmo junto do gabinete do primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed — laureado com o Nobel da Paz em 2019 —, e do Ministério dos Negócios Estrangeiros, segundo Tedros Ghebreyesus.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O responsável da OMS recordou que, mesmo no auge da guerra na Síria ou no Iémen, a OMS sempre conseguiu enviar ajuda humanitária às populações daqueles países.

Presente ao seu lado durante a conferência de imprensa, o chefe de operações de emergência da OMS, Michael Ryan, também expressou a sua indignação. Por causa do bloqueio, “há pessoas que (…) não têm acesso a intervenções básicas que salvam vidas”.

A guerra no Tigray eclodiu em 4 de novembro de 2020, quando Abiy Ahmed enviou o Exército federal para a província no norte do país, com a missão de retirar pela força as autoridades locais da TPLF, que vinham a desafiar a autoridade de Adis Abeba há muitos meses.

Abiy Ahmed declarou vitória três semanas depois da invasão, quando o Exército federal capturou a capital, Mekele.

Em junho de 2021, porém, as forças afetas à TPLF já tinham retomado a maior parte do território do Tigray, e continuaram a ofensiva nas províncias vizinhas de Amhara e Afar.

Em novembro, as forças de Tigray e forças insurgentes aliadas da Oromia (outra província etíope) começaram a retirar das áreas ocupadas para a região de origem. Em contrapartida, o poder em Adis Abeba comprometeu-se em não voltar a invadir a província rebelde.

O Exército federal está nas fronteiras de Tigray e retomou o controlo de várias posições anteriormente nas mãos das forças da TPLF em Amhara e Afar.

O conflito na Etiópia provocou a morte de vários milhares de pessoas e fez mais de dois milhões de deslocados, deixando ainda centenas de milhares de etíopes em condições de quase fome, de acordo com a ONU.

A ONU estima, por outro lado, que entre novembro e dezembro tenham sido detidas entre 5.000 e 7.000 pessoas, incluindo membros do seu pessoal, sobretudo de etnia tigray.

Os intensos esforços diplomáticos, incluindo os da União Africana, para alcançar um cessar-fogo, não produziram até agora qualquer progresso decisivo.