Faltam três dias para o início do Open da Austrália. Se este fosse um ano normal, estaríamos a escrever sobre antevisões, sobre a possibilidade de um tenista chegar pela primeira vez aos 21 Grand Slams, sobre a forma física de Rafa Nadal e sobre a ausência de Roger Federer. Mas como este já não é um ano normal, estamos a escrever sobre a forte hipótese de Novak Djokovic, o número 1 do ranking ATP e principal favorito à vitória, estar prestes a ser deportado do país por não estar vacinado.

Esta sexta-feira, depois de uma novela que já se prolonga há mais de uma semana, o ministro da Imigração da Austrália decidiu voltar a retirar o visto a Djokovic e decretou a deportação do tenista. “Hoje exerci o meu poder de cancelar o visto detido pelo Sr. Novak Djokovic por razões de saúde e de boa ordem, com base no interesse público”, indicou Alex Hawke, reforçando uma decisão governamental que já tinha tomada na semana passada depois de o sérvio ficar retido no aeroporto mas que ficou em stand by quando um juiz de Melbourne decretou a libertação do atleta e deliberou contra a deportação.

Austrália volta a cancelar visto de Djokovic

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De acordo com a informação avançada pela imprensa australiana, o ministro confirmou que Djokovic, que vive em Monte Carlo e afirmou, à chegada a Melbourne no dia 6 de janeiro, não ter feito qualquer viagem nos 14 dias anteriores, não só esteve na Sérvia (onde já arrisca três anos de prisão por ter violado o isolamento após um PCR positivo a 16 de dezembro) como também passou por Espanha nessa mesmo período temporal.

Como responsável pela pasta da Imigração, Alex Hawke pode cancelar um visto por razões de caráter, por considerar que os documentos providenciados são falsos ou por acreditar que o seu beneficiário pode representar um risco para a saúde ou segurança nacionais. Tida como um exemplo na forma como, desde o início, lidou com a pandemia (com cerca de 1,5 milhões de infeções, morreram 2.578 pessoas no total), a Austrália conhece agora um pico sem precedentes de novos casos, tendo esta quinta-feira ultrapassado a barreira dos 128 mil infetados num único dia.

De forma natural e expectável, a equipa de advogados do tenista recorreu de imediato através de uma audiência de emergência tardia que acabou por definir, essencialmente, os próximos passos que terão de ser tomados: Djokovic não vai passar esta noite em detenção, vai reunir com as autoridades de imigração este sábado às 8h (23h de sexta-feira em Portugal) e permanecer detido entre as 10h e as 14h, com uma audiência final e decisiva a ficar marcada para as 9h do próximo domingo (22h de sábado em Portugal) e já no Tribunal Federal australiano. Durante este período, o governo da Austrália não pode avançar com a deportação do tenista — o que significa que o capítulo final de toda a novela só será conhecido na véspera do arranque do Grand Slam, segunda-feira, dia em que Djokovic já tem jogo marcado com Miomir Kecmanovic.

Ora, a limitada e apertada janela temporal em que todo o caso está a ser resolvido tem sido uma das preocupações expressadas pela defesa do sérvio. “O Sr. Djokovic tem jogo marcado para a noite de segunda-feira. Nessas circunstâncias, estamos muito preocupados com o tempo”, explicou Nicholas Wood, o advogado que tem falado em nome do tenista e que também defendia que o caso não deveria ser transferido para o Tribunal Federal para que não se perdesse mais tempo. Wood culpou o governo australiano por uma decisão tomada “pouco antes das 18h numa sexta-feira, quatro dias depois de o juiz de Melbourne decretar a libertação de Djokovic e mais de uma semana depois da ordem de deportação original.

Afinal, o jogo não terminou: autoridades ainda podem deportar Djokovic e advogados do sérvio já preparam recurso

“O delegado das autoridades fronteiriças disse que o Sr. Djokovic podia infetar outras pessoas porque não está vacinado. Mas o conjunto de razões agora apresentado é claramente diferente. O Sr. Djokovic cumpriu com a lei, representa apenas um risco insignificante para os outros, tem uma razão médica para não estar vacinado e é de confiança”, defendeu o advogado, voltando a insistir na alegação de que o tenista não pode ser obrigado a estar vacinado porque teve Covid-19 muito recentemente. Para Nicholas Wood, a decisão do ministro da Imigração foi “binária” e prendeu-se com a aparente necessidade de evitar um potencial “entusiasmo” da comunidade anti-vacinas — algo que garante não ter “base racional” — através da “remoção forçada de um homem de boa fé que tem uma contraindicação médica”. Por fim, o advogado considerou que a deliberação do governante foi um “erro de jurisdição claro” e “evidentemente irracional”.

A confirmar-se o cenário da deportação, Novak Djokovic não poderá, durante os próximos três anos, voltar a candidatar-se a um visto de entrada na Austrália — ou seja, vai falhar os próximos três Open da Austrália, podendo regressar apenas em 2026, altura em que já terá 37 anos. Em termos desportivos, o impacto dessa potencial decisão na carreira do tenista sérvio poderá ser significativo: Djokovic fica desprovido do primeiro Grand Slam do ano, onde é o favorito por defeito; terá sempre muitas dificuldades para ganhar em Roland Garros, por não ser um especialista na terra batida; já provou que não é infalível no US Open, até por ser o último Grand Slam da temporada e já acontecer numa fase algo imprevisível do ano; e pode também ficar impedido de participar em Wimbledon se o torneio britânico optar por limitar a participação a tenistas completamente vacinados.