O ex-ministro das Finanças Fernando Teixeira dos Santos defende que o país não tem “grande margem de manobra” para descer a carga fiscal, defendendo que repor o equilíbrio orçamental deve ser a prioridade. O antigo governante considera também que não deve haver uma “demonização” da austeridade e sublinha a importância de manter as contas certas, numa entrevista dada à agência Lusa este sábado.

“Não vejo grande margem de manobra para descidas de impostos e vejo também necessidade de haver alguma prudência nesse domínio”, disse Teixeira dos Santos. Quando questionado sobre se uma redução dos impostos nos próximos três a quatro anos seria possível, Teixeira dos Santos afirmou não ver “grande margem de manobra”, porque o país atingiu “em 2019 uma situação de equilíbrio orçamental, que, entretanto, se desfez por causa das consequências que a pandemia teve sobre a economia e também sobre as finanças públicas”.

O ex-governante defendeu ser importante melhorar o desempenho orçamental “para criar condições para que isso seja possível”, considerando que uma redução da carga fiscal, “é bom para o investimento e para o trabalho dos portugueses”.

“Acho que a prioridade que temos que ter é a de repor esse equilíbrio orçamental. É importante que o equilíbrio orçamental seja reposto. Primeiro para assegurar que a poupança suficiente para o investimento na economia e segundo para assegurar condições de estabilidade financeira ao país”, justificou.

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Em entrevista à Lusa, a propósito do lançamento do livro “Mudam-se os tempos, mantêm-se os desafios”, publicado pela Bertrand Editora, o antigo governante recordou a crise financeira que levou a intervenção da Troika, para defender que “ficou bem evidente a influência e a importância que a situação das finanças públicas tem no domínio financeiro e na estabilidade financeira do país”.

Reforçando esse ponto, Teixeira dos Santos mostrou-se ainda contra um discurso político de “demonização” da austeridade. “O que está mal é estar a gastar mais do aquilo que temos”, disse.

“Há um discurso mediático e político que eu acho que induz as pessoas em erro e que não promove um sentido de responsabilidade económica e financeira no país, que é o falarmos em austeridade”, disse, considerando que a “demonização da austeridade” dá a entender “que conforme estamos, estamos bem e o que vem aí é mau porque exige que ajustemos o que gastamos aquilo que temos”. “Isto inverte completamente a perceção daquilo que devem ser as nossas prioridades em termos económicos e financeiros”, justificou.

Relativamente às eleições legislativas do próximo dia 30, Teixeira dos Santos disse esperar que haja uma “solução de governação” consequente destas eleições: “Espero bem que saia destas eleições uma solução de governação para o país, que traga um período de estabilidade, até porque o país precisa de facto dessa estabilidade. Tem grandes desafios pela frente e não pode adiá-los”, afirmou.

Quando questionado se teme que o país enfrente um cenário de instabilidade que se refletisse em dificuldades em aprovar os próximos orçamentos do Estado, o ex-governante recusou tal cenário. “Quero acreditar que isso não acontecerá. Nem faria sentido. Já teremos eleições antecipadas porque houve um Orçamento que não foi aprovado e não houve condições para o aprovar. Mal era que destas eleições resultasse uma situação política em que continuávamos a ter dificuldade em aprovar orçamentos”, disse.

Quando questionado sobre se uma solução de bloco central seria desejável para a estabilidade, Teixeira dos Santos disse não querer “discutir soluções concretas de governação”, considerando que “isso compete aos partidos”. No entanto, “não tem que ser um governo central como já tivemos no passado em que os dois partidos têm que se entender para ter um governo. Não tem que ser esse figurino”, frisou.

Os conselhos de Teixeira dos Santos: “Prudência” no endividamento e aumento da produtividade

No plano macroeconómico, o antigo ministro pediu “prudência” no endividamento da economia portuguesa por considerar que o ambiente de baixas taxas de juro não se irá manter por muito tempo.

“É importante que tenhamos solidez financeira no país e estabilidade financeira, porque os juros acumulam à dívida. As perspetivas que temos para o futuro é de que este ambiente de taxas de juro baixas não vai manter-se durante muito tempo”, disse.

Teixeira dos Santos antecipa que as pressões inflacionistas deverão obrigar a algum ajustamento da política monetária, o que levará a “alguns” aumentos das taxas de juro. Ainda que acredite que o Banco Central Europeu (BCE) irá ser prudente na transição, para evitar grandes perturbações, assinala ser “expectável que a prazo” o “aumento das taxas de juro vai ocorrer”.

O ex-ministro das Finanças estimou ainda que, mantendo as atuais condições, Portugal precisa de mais de 290 anos para igualar a média de produtividade da zona euro. “Não há possibilidade” de melhorar o nível de vida dos portugueses se não melhorar a produtividade, afirmou.

“A correlação entre o nosso rendimento real e a produtividade é da ordem dos 98%/99%. Uma coisa anda a par da outra. Se o país quer melhorar o seu bem-estar, o seu nível de vida tem que melhorar a produtividade. Isto é um grande desafio a todos nós: ao Estado, às famílias, aos trabalhadores, aos empresários, a todos nós. É este o desafio que o país tem de enfrentar e, no meu entender, dar-lhe uma grande prioridade”, sublinhou.

Numa simulação integrada no livro que será lançado, respetivamente, em Lisboa e no Porto, em 19 e 20 de janeiro, Teixeira dos Santos calcula que, se se mantiverem as taxas de crescimento da produtividade em Portugal e na zona euro, serão necessários 45 anos para que o país atinja 60% da produtividade média dos países da moeda única e 154 anos para atingir os 75%.