É a primeira vez que Inês Sousa Real nada no lago dos tubarões em legislativas. Por um distrito conhecido pelos golfinhos (do Sado), a líder do PAN até quis voltar a ser protagonista de uma campanha discreta, mas foi obrigada a mostrar os dentes para falar da dissidente que o PAN elegeu naquele círculo há dois anos. O PAN mantém o objetivo de eleger a deputada que perdeu apenas um ano depois das eleições, mas sabe que é uma tarefa difícil. E contou com obstáculo acrescido: o fantasma Cristina Rodrigues — cujo o nome não se podia pronunciar — a pairar sobre a comitiva.

Era dia do PAN dar tudo, mas não foi isso que se verificou na rua. Em termos de impacto e mobilização, a campanha seguiu, como habitual, sem grande aparato. Sousa Real até percorreu sorridente as ruas do centro de Almada, ao mesmo tempo que entregava a flyers a quem passava, mas a conversa é pouca e barulho nem ouvi-lo. A comitiva do PAN seguia com cerca de duas dezenas de elementos, que agitam as bandeiras do partido, ainda que, também eles, pouco expansivos.

Apesar de não se notar entusiasmo, o PAN quer mesmo segurar esta conquista. Em 2019, Setúbal foi o terceiro distrito em que o partido reuniu a maior percentagem de votos (4,44%), apenas superado pelo círculo pela Europa e pelo distrito de Faro. Essa votação valeu ao PAN a eleição de uma deputada — seria então a quarta da noite. Um ano depois, o sabor rapidamente transformou-se em dissabor e Cristina Rodrigues anunciou, em junho de 2020, a saída do PAN, ficando como deputada não-inscrita no Parlamento. Em rota de colisão com o partido, seguiram-se acusações de parte a parte e um ambiente que nunca mais sarou.

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Do lado da comitiva, como seria de esperar, nem uma referência ao nome da ex-deputada do PAN. Nas ruas, com quem foi falando, a líder também não ouviu uma única vez o nome de Cristina Rodrigues. Ainda assim, garante que não é um nome proibido. “Não temos ouvido de todo esse nome, muito pelo contrário”, desvaloriza Inês Sousa Real. “Ninguém nos questiona pela Cristina Rodrigues, aliás, as pessoas elegeram o PAN, não foi a Cristina Rodrigues”, reforçou a líder do PAN, que garante que a “causa” e a “força” do partido “vai além daquilo que são os seus porta-vozes”.

Inês Sousa Real arrumaria assim o assunto, sem antes, perante a insistência dos jornalistas, abrir o jogo e deixar duras farpas a Cristina Rodrigues. “Desconforto? Desconforto deve causar a quem defraudou os eleitores, a quem não devolveu o mandato ao PAN, a quem prejudicou o partido”, lembrando os processos que correm na Justiça sobre a alegada prática de crimes dentro da própria Assembleia da República, cometida pela agora deputada não-inscrita. A líder endurece o discurso, ao atirar que “o que já devia ter acontecido era a devolução do mandato ao PAN em respeito para com os eleitores e em respeito também pelo distrito de Setúbal”.

Quem agora surge do lado de Inês Sousa Real durante as duas ações de campanha da manhã é Vítor Pinto, candidato a Setúbal pelo PAN, que não tem o mediatismo que a “antecessora” acabou por conquistar precisamente quando passou a não-inscrito. Ainda assim, a líder do partido garante que está “confiante” e que vai trabalhar para que o candidato seja eleito em Setúbal e para que o partido “resgate o lugar que é do PAN, a quem os eleitores deram confiança em 2019″.

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Vítor Pinto vai acenando e conduzindo a caravana pelas ruas de Almada, junto a Inês Sousa Real, e com a habitual discrição que tem marcado esta campanha. A líder do PAN procura convencer os eleitores através do programa que vai entregando em papel e até junto dos mais novos revela vontade em trocar um ou outro dedo de conversa. “Vocês ainda não votam, mas têm aqui isto”, diz Inês Sousa Real enquanto entrega flyers. “É para começarem a estudar”, ouve-se de um dos elementos da comitiva. “Estudarem outras alternativas”, responde prontamente Inês Sousa Real, entre risos. Mais à frente, até se aventurou a entrar numa loja de animais, ouvindo-se logo: “É o nosso habitat natural”. O bom ambiente é de notar entre a caravana do PAN, que assim segue estrada fora, em terreno essencial na contagem de votos a 30 de janeiro.

Certo é que Inês Sousa Real tem optado por marcar a campanha por ações concretas, com temas concretos, não apostando tanto nas ruas, também por não ter uma máquina por trás como têm por exemplo PS ou PSD. A agenda do PAN tem sido pontuada por ações relacionadas com bandeiras que vêm sido defendidas pelo PAN, como a não viabilidade de Montijo para construção do novo aeroporto, a temática do transporte de animais vivos em condições “indignas” e o acesso à habitação, com uma visita à Quinta do Ferro, na Graça, em Lisboa. O foco é ouvir quem vive nessas realidades e alertar ou denunciar para os problemas. Mais do que simplesmente distribuir flyers nas ruas. Se vai funcionar, só daqui a menos de duas semanas Inês Sousa Real terá respostas.

Em Setúbal, a líder do PAN quer apesar de tudo reconquistar o terreno perdido e a própria agenda desenhada para esta campanha eleitoral mostra isso mesmo. O partido tem/teve dias totalmente reservados a distritos como Setúbal, Faro ou Lisboa. Três dos distritos no “top 4” dos que reuniram maior percentagem de votação em 2019. Há uma clara aposta em manter ou reconquistar o que o partido conseguiu alcançar nas últimas eleições. A dúvida permanece: se o PAN não segurar os distritos em que foi mais votado há três anos, o que segurará no dia 30 de janeiro? Depois de um dia inteiramente passado em Setúbal, o partido e Inês Sousa Real sabem que têm um objetivo — em terra de pescadores, é preciso recuperar para águas do partido o lugar de deputado eleito naquele distrito que acabou a ser perdido.