Imagens de alta-resolução captadas pelos satélites Sentinel da Comissão Europeia e algoritmos treinados por inteligência artificial (IA) estão a ajudar a indústria portuguesa do papel a conhecer melhor a floresta e a tomar importantes decisões de gestão. O projeto pioneiro resulta de uma parceria entre a CELPA – Associação da Indústria Papeleira e a Tesselo. Já está no terreno e foi explicado no 12º episódio do programa “O Regresso da Indústria”, que a Rádio Observador transmitiu a 12 de janeiro.

Francisco Goes — responsável pelas áreas de floresta e estatística da CELPA, cujos associados são a Navigator, a Altri, a DS Smith e a Renova — foi um dos convidados do programa e destacou que esta parceria tem permitido obter a “informação mais valiosa e atualizada” sobre a floresta em Portugal.

O engenheiro florestal começou por explicar que a floresta, do ponto de vista das empresas, é uma matéria-prima viva, em constante mudança. Disse ainda que a indústria papeleira, para produzir pasta de papel, papel e cartão, transforma essencialmente madeira de eucalipto e pinheiro-bravo, além de papel para reciclar. Daí a necessidade que as empresas têm de conhecer bem a floresta portuguesa e as respetivas dinâmicas, o que inclui a vigilância do crescimento, de incêndios e de pragas.

Os associados da CELPA têm uma “necessidade premente de informação florestal” para poderem fazer planeamento de curto, médio e longo-prazo, ou seja, para tomarem decisões sobre “estratégias de apoio a pequenos produtores que apostem no eucalipto” e “estratégias de importação de madeira”, referiu o representante da CELPA.

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A associação juntou-se entretanto à Tesselo — start-up fundada há quatro anos em Lisboa, que fornece serviços tecnológicos na área da sustentabilidade ambiental — e criaram o referido projeto inovador de monitorização. Os inventários florestais deixaram de ser feitos de “modo tradicional”, com pessoas no terreno e fotografias aéreas a partir de aviões, as quais depois eram classificadas à mão por operadores.

Agora as imagens do arvoredo passaram a ser recolhidas por satélites, que as fornecem gratuitamente, e a classificação dessas mesmas imagens passou a acontecer automaticamente, quase sem intervenção humana e com auxílio de IA, explicou Francisco Goes. Quanto ao “inventário de campo”, que exigia a análise e medição de inúmeras árvores no terreno de dois em dois ou de três em três anos, é uma agora uma tarefa com periodicidade mensal e sem dispêndio de recursos humanos.

Através dos dados captados e estudados, é também possível tomar decisões para reduzir a carga combustível em determinadas áreas florestais, o que ajuda a prevenir incêndios, segundo Francisco Goes.

Também convidada do programa, Marine Utgé-Royo, chief strategy officer da Tesselo, disse que a empresa se especializou no “mapeamento de vegetação em grande escala” através de “dados abertos de satélite e IA”, e fez um resumo sobre o método de trabalho: o primeiro passo consiste em coligir de imagens de satélite (big data), seguindo-se o treino de algoritmos, através de machine learning, que é a única forma de extrair informação útil das imagens.

Chega-se assim à classificação da ocupação do solo e ao reconhecimento das diferentes espécies de árvores. Daqui nasce um “inventário florestal muito detalhado”, a que se acrescentam camadas de informação conforme as necessidades — as áreas ardidas e cortadas, por exemplo, ou a idade das árvores e o seu estado de saúde. Novas funcionalidades vêm sendo acrescentadas ao longo do tempo, disse a chief strategy officer da Tesselo.

Esta cartografia tem uma precisão superior a 90%, adiantou Francisco Goes. O processo passa por um diálogo permanente entre a CELPA e a Tesselo, com validação de dados e calibragem constante de algoritmos. “É uma riqueza de informação espantosa e muito útil”, qualificou o representante da CELPA, utilizando o termo “floresta de precisão”. “Esta metodologia permite-nos um detalhe muito maior, deixámos de olhar para a floresta e passámos a olhar para a árvore”, sublinhou.

O Regresso da Indústria é uma série de programas que resulta de uma parceria entre a Rádio Observador e a COTEC Portugal – Associação Empresarial para a Inovação, num projecto co-financiado pelo COMPETE 2020, Portugal 2020 e União Europeia, através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. Cada episódio é transmitido de 15 em 15 dias, às quartas-feiras, na Rádio Observador (nas frequências 93.7 e 98.7 em Lisboa, 98.4 no Porto e 88.1 em Aveiro) e pode depois ser escutado como podcast. Também às terças-feiras é publicado quinzenalmente um artigo no Observador com o essencial do programa da semana anterior.