Os resultados preliminares da autópsia à criança de seis anos que morreu no Hospital de Santa Maria na sequência de uma paragem cardiorrespiratória já estão a ser partilhados com a Direção-Geral da Saúde (DGS) para depois também serem comunicados ao Infarmed. Estes primeiros dados podem permitir atestar ou descartar causas como um possível engasgamento, que tem sido apontado como uma das hipóteses por diversos especialistas, tendo em conta os contornos deste caso tornados públicos.

Eugénia Cunha, diretora da delegação sul do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, confirmou ao Observador que a autópsia foi realizada esta terça-feira e o corpo ficou disponível para ser levantado pela família ao fim da tarde.

As amostras recolhidas durante a primeira fase da autópsia vão ser enviados para três equipas — uma responsável por análises genéticas, outra que fará os exames toxicológicos e a terceira responsável por análises de anatomia patológica.

Eugénia Cunha assegura que a realização destes exames complementares é normal, mas que não é solicitado em todos os casos: naqueles em que a causa da morte é muito evidente através da autópsia — como neoplasias, a presença de água nos pulmões (afogamento) ou fuligem (asfixia durante um incêndio), por exemplo — os exames podem ser dispensados.

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As análises genéticas são baseadas numa amostra de sangue em que a informação genética reservada no núcleo das células. O ADN é sequenciado para apurar se a vítima sofria ou não de doenças que pudessem contribuir para a sua morte — por exemplo, uma patologia cardíaca.

As análises toxicológicas, que também analisam amostras sanguíneas, determina se a vítima estava a ser sujeita a algum tratamento, se estava medicada e com que substâncias. Em casos em que se suspeita do uso de drogas de abuso (que não é o caso), este exame revela que substâncias tinham sido consumidas.

Por último, numa análise de anatomia patológica, os cientistas preparam uma lâmina com amostras de tecidos de pelo menos dois órgãos em busca de anormalidades microscópicas que não sejam detetáveis a olho nu durante a primeira fase de observação da autópsia.

Cada um destes laboratórios vai realizar um relatório com as descobertas que fizer e enviá-las ao médico legista responsável pelo caso, que cruzará todas essas informações com os registos clínicos da criança para produzir o relatório final. Espera-se que ele esteja disponível dentro de um mês, mas há casos em que demora três.

Há 5% a 10% de probabilidade de autópsia a criança que morreu no Santa Maria ser inconclusiva

Mas nada está garantido: há uma probabilidade de 5% a 10% de a autópsia resultar inconclusiva. Duarte Nuno Vieira, professor de ciências forenses na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e presidente da Academia Nacional de Medicina de Portugal, apontou ao Observador que essa é a percentagem de autópsias que resultam inconclusivas porque a causa da morte não foi descoberta com certeza ou simplesmente não é apurável.

Isso não significa que as mortes por detrás destes relatórios inconclusivos apresentem sinais dúbios que apontem para casos criminosos. “Há causas de morte que não conseguem ser reveladas numa autópsia, como as arritmias cardíacas. As conclusões só podem ser retiradas quando há certezas absolutas sobre as causas da morte. Quanto mais exigente for um centro pericial, maior o número de autópsias inconclusivas”, considerou Duarte Nuno Vieira. E acrescenta: “Um médico que diga que fez 10 mil autópsias e que nenhuma foi inconclusiva é um perigo para a saúde pública e pode ter consequências judiciais graves”.

O especialista em medicina forense não está envolvido nas investigações do caso desta criança, mas referindo-se às teses que apontam para um engasgamento, Duarte Nuno Vieira explicou ao Observador que uma asfixia por vómito é mais difícil de confirmar durante uma autópsia do que um engasgamento com um objeto. Por se encontrar em estado líquido, parcialmente digerido, o vómito pode não ser imediatamente detetado nos exames, entrando no circuito digestivo ou alojando-se nos pulmões. O engasgamento é mais evidente porque o objeto pode ficar alojado na zona da garganta e será encontrado nas primeiras fases da autópsia.

Estas são duas das teorias em cima da mesa para explicar a morte de uma criança de seis anos na sequência de uma paragem cardiorrespiratória no Hospital Santa Maria, em Lisboa — há outras, como uma reação adversa à vacina, uma patologia cardíaca desconhecida ou consequências da Covid-19, uma vez que o menino estava infetado e tinha febres altas.

Tanto a asfixia por vómito como por um objeto provocariam sinais evidentes na região da traqueia, visíveis na observação dos órgãos durante a autópsia, indicou Duarte Nuno Vieira. Mas isso não bastaria para dispensar os exames de diagnóstico complementares que o Instituto de Medicina Legal solicitou a três laboratórios — um para um exame genético, outro para uma análise toxicológico e o terceiro para estudar a anatomia patológica das amostras recolhidas no cadáver.

Os exames complementares são uma “ajuda final” e podem ser uma “confirmação” às informações recolhidas nas primeiras fases da autópsia, às quais se junta a autópsia psicológica (que inclui inquéritos às pessoas mais próximas da vítima para descrever as suas condições psicológicas) e as informações clínicas.

Os resultados preliminares da autópsia à criança de seis anos que morreu no Hospital de Santa Maria na sequência de uma paragem cardiorrespiratória já estão a ser partilhados com a Direção-Geral da Saúde (DGS) para depois também serem comunicados ao Infarmed.

A criança de seis anos deu entrada no Hospital de Santa Maria no sábado e morreu na sequência de uma paragem cardiorrespiratória que a deixou em morte cerebral. O menino, que tinha testado positivo à presença do SARS-CoV-2 no dia anterior e que tinha desenvolvido febres altas, foi vacinado com a primeira dose da vacina contra a Covid-19 uma semana antes do óbito. Dada a proximidade temporal entre a toma da vacina e a morte, o caso foi reportado como suspeita de reação adversa ao Infarmed.