A observação de processos que colocam em risco a democracia liberal estão na base d'”A República Alexandrina”, uma produção de O Fim do Teatro, que se estreia na quinta-feira, no auditório da Malaposta, em Olival Basto, Odivelas.

“A República Alexandrina” é a quarta criação da companhia, “e o resultado intuitivo da observação dos processos e das lutas políticas que colocam em risco a nossa democracia liberal”, como afirma o coletivo na apresentação da nova produção, que tem o comandante de um exército de libertação cultural, como personagem principal.

A peça consiste numa “revisitação possível da História e de como esta se vai repetindo”, num espetáculo distópico que gira em torno de uma sociedade recreativa que celebra o seu centenário, sem que ninguém assista à comemoração, disse à agência Lusa Pedro Saavedra, autor do texto e da encenação.

O medo constante de que os seres humanos são portadores é um dos temas de fundo do espetáculo, no qual um comandante do exército de libertação cultural tenta reeducar a população.

A ação de “A República Alexandrina” começa no tempo presente e depois recua 100 anos, até 1920, acabando por se tornar ela própria uma encenação dentro da encenação, dirigida pelo próprio comandante do exército, segundo Pedro Saavedra.

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“‘A República Alexandrina’ é, contudo, um espetáculo bastante contextualizado já que [pela peça] perpassam temas como os regimes totalitários e como estes começam a acontecer muito antes de nos apercebermos desse facto”, frisou o autor e encenador.

“As conquistas culturais das democracias ocidentais parecem eternas, como se a evolução das civilizações fosse sempre um crescente de liberdade e aceitação da diferença, mas nunca assim foi e nunca assim será”, lê-se na apresentação da peça. “O valor republicano da causa comum, de que da conduta de cada um depende a sorte de todos, está cada vez mais em perigo”.

O espaço Sociedade Recreativa República Alexandrina é, desde há cem anos, um lugar “de encontro de culturas”, que tem no salão nobre, desde o início, uma reprodução de “A Família de Dário Diante de Alexandre”, de Paolo Veronese.

“No tempo em que a causa pública fazia sentido, este salão foi palco de discursos, comícios, festas e debates sobre a vida da cidade”. Mas no dia em que celebra o seu centenário, está “sob o perigo de ter a sua sede vendida”.

Para a celebração mais aguardada da história, esperam-se convidados, mas nenhum aparece, “como se apenas a burocracia e a logística dos convites tivesse falhado”, prossegue a sinopse. Angariam-se assim desconhecidos no meio da rua, para garantir a importância do momento, e são esses convidados estranhos que acabam por desenhar “uma celebração inesperada”.

A peça reflete assim um tempo “em que diferentes linhas de possibilidades se cruzam, em realidades paralelas”, e em que “duas ideologias se desafiam continuamente”, fazendo com que “nada, mas mesmo nada”, faça os protagonistas da ação “parar de lutar”.

“Os sons das máquinas e dos violinos” no exterior parecem ilustrar as forças em confronto.

“Tal como nas nossas principais cidades se tem assistido ao desaparecimento destes espaços [urbanos, coletivos], por troca com a ‘turistificação’, através da especulação imobiliária com os proprietários, também ali se espera o pior, mas o pior que finalmente acontece é de outra natureza”.

Com texto e encenação de Pedro Saavedra, a peça tem interpretação de Alice Ruiz, Gonçalo Botelho, Ivone Fernandes-Jesus, Mário Redondo, Pedro Baptista, Rogério Jacques.

O design de cena é de Surumaki, os figurinos, de Cláudia Ribeiro, a música, de Clothilde, o desenho de luz, de Paulo Sabino, a sonoplastia, de Rui Miguel, a assistência de encenação, de Rafael Fonseca.

O Fim do Teatro foi criado em 2019, como consequência da apresentação do espectáculo homónimo, e no sentido de refletir os objetivos do teatro e os seus propósitos.

“Este coletivo surge da vontade de questionar os fins do teatro. Para que serve? Para onde vai? Como continuar? Ficaram, assim, e desde logo, assentes as bases de uma estrutura, herdeira de contadores de histórias, com interrogações de um mundo pós-dramático e de vários e diferentes questionadores que, encontrados na produção de um texto de teatro, nele se reviram nas suas inquietações e aspirações”, lê-se na apresentação.

“Os Princípios do Novo Homem” (2020) e “A Morte de Abel Veríssimo” (2021) foram as produções entretanto montadas pelo grupo. “A República Alexandrina” é assim a quarta criação de Pedro Saavedra para este coletivo.

O espetáculo fica em cena até dia 30, Centro Cultural da Malaposta, em Odivelas, com sessões de quinta-feira a sábado, às 20:30, e, ao domingo, às 16:30.

De 03 a 12 de fevereiro, estará no Auditório Municipal António Silva, no Cacém.