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Club Makumba: o novo clã de Tó Trips que faz da música um ritual de resistência

Este artigo tem mais de 2 anos

O músico juntou-se a João Doce, Gonçalo Prazeres e Gonçalo Leonardo para um encontro entre a carne e o espírito, o magrebe e os balcãs, o rock e o afro beat. Grito de ordem contestatário: dançar.

Tó Trips descreve os temas de "Club Makumba" como "hinos dedicados a todos os que tentam uma vida melhor nestas margens ocidentais, negligenciados por uma Europa cada vez mais fechada em si própria"
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Tó Trips descreve os temas de "Club Makumba" como "hinos dedicados a todos os que tentam uma vida melhor nestas margens ocidentais, negligenciados por uma Europa cada vez mais fechada em si própria"

Tó Trips descreve os temas de "Club Makumba" como "hinos dedicados a todos os que tentam uma vida melhor nestas margens ocidentais, negligenciados por uma Europa cada vez mais fechada em si própria"

A música, nas artes, é a forma que mais aproxima as pessoas. As palavras são de Tó Trips, esse encantador de guitarras que nos tem posto a vagabundear por recantos da música onde a solidão é elo comunitário, é de todos nós. “Mesmo sozinha em casa, a ouvir música que tu gostas, tens a noção de que não estás sozinha, porque há mais alguém a fazer isso”, diz do outro lado da câmara, em entrevista ao Observador.

No seu dedilhar cabem muitos mundos: o punk sujo dos Lulu Blind, o imaginário em filigrana criado ao lado de Pedro Gonçalves, nos Dead Combo, a banda sonora escrita recentemente para o filme “Surdina”, de Rodrigo Areias (2020), viagens de improviso à boleia da zither (cítara) de Adriana Sá em Timespine (2013) e Timespine Urban Sessions (2018) que, indiretamente, deram origem ao projeto a solo Guitarra Makaka, materializado no álbum Danças a um Deus Desconhecido (2015). “Afinei a guitarra pelo instrumento dela, que é uma afinação estranha em Si, e isso levou-me a outros sítios, a cenas mais árabes, africanas e até portuguesas”.

Foi desse lugar que, sem ainda o saber, Tó Trips começou a desenhar o esboço de Club Makumba. Na verdade, Tó Trips anda a desenhar-se desde sempre: “Acho que descobri uma maneira de tocar que é muito minha e isso tanto se reflete nos Club Makumba como nos discos a solo”. Não é, pois, de estranhar que se ouçam laivos de Dead Combo neste novo projeto do músico prestes a completar 56 anos, por muito que a linguagem melódica e rítmica siga outras ramificações. “Tem lá sempre coisas que ouves e que dizes, ‘é o Tó a tocar, faz-me lembrar os Dead Combo’, porque o Tó está lá. Descobri a minha identidade musical e não a vou largar.”

[“Migratória”:]

Porém, Club Makumba tem desígnios diferentes. Para conhecer o projeto há que recuar até Guitarra Makaka e a uma digressão a solo que, chegada a Esmoriz, ganhou novo companheiro de estrada. “Como ele vive lá, convidei o João Doce para tocar comigo e entrar nesta cena do Guitarra Makaka”. Tocar sozinho não incomoda Tó Trips. Já andar na estrada por sua conta, é coisa para lhe causar algum enfado. Juntos ainda gravaram um álbum de cinco temas, Sumba (2016), até que Tó Trips se virou para João Doce e lhe disse, “bora lá fazer uma banda”.

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Rapidamente os nomes de Gonçalo Prazeres (saxofone) e Gonçalo Leonardo (contrabaixo) vieram à baila, músicos oriundos do jazz e que não são novos nestas andanças, eles que acompanharam a tour de Odeon Hotel, dos Dead Combo. “Assim já é uma banda, em vez de ser um tipo a solo que vai com o amigo tocar. Aproveitámos alguns temas que vinham do Guitarra Makaka, fizemos outros arranjos e gravámos isso em novembro de 2019”.

O plano era lançar o álbum homónimo logo em 2020, mas a pandemia chegou para baralhar as contas. Seguiu-se 2021 como meta, outra vez o confinamento até que não deu para adiar mais. No dia 21 deste mês, Club Makumba estará cá fora. “Agora vamos ver”. O processo foi desgastante, desabafa Tó Trips, “chegou a uma altura em que o pessoal já não sabia se isto arrancava ou não”. Foi necessário reaprender as músicas, mas nem tudo foi mau: neste período de incertezas, novos temas foram compostos, presságio de um volume 2 dos Club Makumba.

A capa do álbum "Club Makumba", que é editado esta sexta-feira, 21 de janeiro

Enquanto esse sonhado novo álbum não se concretiza, foquemo-nos no que agora temos em mãos e que se apresenta como “um exercício livre, espontâneo, experimental e tribalista”. Logo na primeira faixa, “Danças”, somos atirados para o Mali e para aquele rock serpenteante, nascido das areias do deserto, e de que os Tinariwen ou os Songhoy Blues são legítimos herdeiros e interpretes contemporâneos. Mal entra o saxofone de Gonçalo Prazeres, levamos um estalo que, em certa medida, nos lembra The Comet is Coming, tudo embalado pelo ritmo tribal, por vezes catatónico, da bateria de João Doce, ao qual o baixo rebelde e firme de Gonçalo Leonardo dá corpo. Tó Trips insurge-se pelo meio com a sua linguagem idiossincrática, fletindo ora para o médio oriente e para os Balcãs, ora para o rock americano que, naquela afinação ancestral, ganha uma aura de Mdou Moctar, o Hendrix do Sahara à qual a faixa “Jimmy Habibi” não é de todo alheia. É uma viagem ritualista, psicadélica e existencial “pelas sonoridades do Mediterrâneo e pela África imaginada” que, chegada à última faixa, “Going Nowhere”, nos dá o derradeiro descanso do corpo e da alma.

“Há uns temas, como o ‘Migratória’, o ‘Danças’ ou o ‘Macumba das Foncas’ que já vinham do Guitarra Makaka e que foram quase os guias espirituais para os novos temas que surgiram com eles. Com a entrada dos Gonçalos, deu-se outro arranjo àquilo. Como eles vêm do jazz, introduziram outras cores”, refere Tó Trips, salientando que sempre gostou da partilha e de experimentar coisas novas – “sai-se sempre mais rico e vamos parar a outros sítios que não iríamos parar de outra forma” – e de ter as suas bandas. “Isso não quer dizer que sou eu que mando, tanto que há malhas que nasceram do Leonardo, do João ou do Prazeres. É uma coisa livre”, esclarece. Do que ele gosta mesmo é de ter o seu “núcleo de amigos para tocar”.

Mas Club Makumba é muito mais do que um espaço de jam entre as forças do rock e do jazz. É também um grito político, qual afro beat ou manifesto “clashiano”. “O lado político e das causas das bandas é uma coisa que se perdeu um bocado. Agora está a voltar com os Sleaford Mods ou com os Idles.” Com a palavra “político”, Tó Trips não se refere aos espetros de esquerda nem de direita, mas sim “às causas nobres e humanitárias” — em suma, “a coisas que sejam justas para toda a gente”.

[“Med Swing”:]

Cada uma das 11 faixas é, portanto, um “hino dedicado a todos os que tentam uma vida melhor nestas margens ocidentais, negligenciados por uma Europa cada vez mais fechada em si própria”, lê-se em comunicado. A capa do álbum, que tem como base “A balsa de Medusa”, quadro do séc. XIX do pintor francês Theodore Géricault que retrata o naufrágio da fragata Medusa e a luta pela sobrevivência dos seus 150 tripulantes, enfatiza precisamente essa mensagem. “Ela mostra esse lado de tragédia, mas também de esperança”, explica Tó Trips. Uma esperança associada ao símbolo do dinheiro, aqui representado pelo olho da providência, presente nas notas de um dólar americano. “É uma esperança atrás de uma vida melhor que, ao fim e ao cabo, acaba por ser uma desilusão”.

Certamente que em palco Club Makumba será tudo menos uma desilusão. Tó Trips promete uma boa viagem cheia de energia, com projeções e uma aura de transe muito vincada pelos loops que ao vivo se podem alongar para lá do formato fechado do álbum, até que os músicos ou o público se fartem. “Terá também esse lado de festa e de ritmo que o João impregna no pessoal e que leva as pessoas a participarem”, diz. A primeira grande cerimónia será já no dia 27 de janeiro, no CCB, em Lisboa. Seguem-se Faro (28/01), Porto (04/02), Torres Vedras (05/02), Coimbra (11/02), Águeda (26/02) e Santa Maria da Feira (09/04). “Não sou muito de misticismos e de religiões, mas acho fixe valorizar um bocado o lado do espírito.” O mote está lançado: é para fazer da dança um ato de resistência, “sem preconceitos e sem fronteiras”. É para dançar até que os corpos se elevem e diluam nesse campo espiritual que os Club Makumba evocaram em prol da nossa salvação.

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