Cotrim Figueiredo reuniu esta quinta-feira com a Ordem dos Enfermeiros e encontrou uma aliada nas críticas a Costa e a uma maioria absoluta do PS. A bastonária, Ana Rita Cavaco — antiga conselheira nacional e militante do PSD — disse aos jornalistas após a reunião que vê como indesejável uma maioria absoluta socialista, depois de ter partilhado com o líder liberal algumas das preocupações que tem relativas à carreira e à situação dos enfermeiros.

No fim do encontro, Cotrim deixaria um caderno de encargos (não de cargos) a Rui Rio. Registando a possibilidade aberta por Rio de, em caso de vitória laranja, a Iniciativa Liberal ter um ministério — até porque “pode vir a ter uma representação parlamentar mais significativa do que tem hoje”, Rio dixit —, Cotrim avançou já dossiês que seriam prioritários para um acordo entre azuis e laranjas: fiscalidade, saúde e TAP.

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Depois de partilhar com o líder liberal as suas preocupações sobre os enfermeiros, nomeadamente sobre a dependência do Orçamento para a Saúde de autorizações do ministério das Finanças, Ana Rita Cavaco atirou a Costa em declarações aos jornalistas: se os últimos Governos PS já foram maus para os enfermeiros, entende, com maioria absoluta seria ainda pior.

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Não seria fã de uma maioria absoluta, acho que isso é mau para o país. Se Costa governou durante este tempo em coligação e foi o que foi para nós, enfermeiros, o que seria com uma maioria absoluta”, referiu a bastonária.

Ana Rita Cavaco tem discordâncias com Cotrim Figueiredo: o líder liberal não quer extinguir a Ordem dos Enfermeiros (ao contrário de várias outras Ordens profissionais) mas quer que esta tenha concorrência e não funcione nos moldes em que hoje opera. E a bastonária discorda.

Ainda assim, existem pontes. Palavra de Ana Rita Cavaco: “Agrada-me aquilo que está no programa da Iniciativa Liberal relativamente à carreira dos enfermeiros e o facto de ser o único partido com um cabeça-de-lista [por Aveiro] que é enfermeiro, é enfermeiro especialista em saúde mental e desejo-lhe que seja eleito”. Queixas sobre o Estado e o Governo, Cotrim também as ouviu: “Precisamos de autorização das Finanças para tudo. Se dessem autonomia às instituições seria outra conversa”, dizia a bastonária.

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O encontro, pedido pelo candidato da IL, inseriu-se num esforço do partido para “afinação de propostas que vamos fazer na próxima legislatura”, isto é, iniciativas legislativas “que tenham a ver com o real problema das pessoas, dos setores, das regiões, das profissões e não apenas propostas que têm a ver com a nossa coerência ideológica, feitas mais ou menos em gabinete”, explicava Cotrim.

Por outras palavras, o candidato não quer que a ideologia, de que em traços gerais não abdicará, se sobreponha à realidade do país — como terá acontecido por exemplo no caso da proposta da IL para que os estudantes repagassem o custo dos seus estudos no Ensino Superior ao Estado, proposta avançada em 2019 e entretanto abandonada. Agora, sobre os enfermeiros e outros setores, Cotrim diz querer “adaptar as propostas” da IL “não só à nossa ideologia e coerência ideológica, que gostamos muito de manter, mas também aos problemas concretos e mais finos que, neste caso, uma classe profissional nos pode transmitir”.

Há posições, porém, que não se alteram. Aos jornalistas, o candidato queixava-se de “desgoverno e falta de gestão de uma das profissões mais importantes da saúde”. Profissão que merecia reconhecimento, continuava Cotrim, não só “pelo esforço que foi evidente em tempos de pandemia mas também pelo que os enfermeiros fazem de extraordinariamente notável sem pandemia”. O candidato atirava um número:

“Nos últimos 10 anos terão emigrado cerca de 22 mil enfermeiros de Portugal. Por condições salariais, pela carga fiscal mas também por condições de trabalho, estabilidade contratual e reconhecimento. Alguém que é formado e formado com qualidade em Portugal em enfermagem não tem perspetivas profissionais que sejam animadoras, não só pela existência de pouca progressões mas também por injustiças em instituições e entre instituições”, apontava o candidato.

Maioria com Chega, bastonária? “Não conheço partidos de extrema-direita em Portugal”

Questionada pelos jornalistas sobre se veria com bons olhos uma maioria de direita que incluísse a extrema-direita — isto é, o Chega —, Ana Rita Cavaco respondeu: “Acho que deve haver um vencedor, como é óbvio tem de haver, que depois poderá fazer coligações. Peço desculpa mas não conheço partidos de extrema-direita em Portugal. Conheço partidos que são de direita, de esquerda, de centro embora para mim essa dicotomia esteja muito esbatida”.

A bastonária da Ordem dos Enfermeiros, que é amiga de André Ventura e que sobre uma hipótese de acordo entre PSD e Chega chegou a dizer que “as pessoas acabam por se entender”, prosseguiu: “Acho que a conversar é que as pessoas se entendem, podem construir boas soluções para aquilo que são os problemas da vida de todos nós. É isso que pretendemos”.

Aqui, Ana Rita Cavaco e João Cotrim Figueiredo não têm afinidades: o candidato da Iniciativa Liberal voltou a insistir que o partido “não integrará soluções alternativas que contem com o Chega”.

Determinada ou incendiária: quem é Ana Rita Cavaco, a bastonária dos enfermeiros?

Cotrim não discute lugares, mas avança prioridades: fiscalidade, Saúde e TAP

O candidato da Iniciativa Liberal não quer discutir lugares ou ministérios, só políticas. É essa a mensagem que tem passado reiteradamente ao longo da campanha e foi esse o tónico novamente do líder liberal, depois de ouvir Rio sugerir que a IL poderia ter um ministério num Governo por si presidido. Mas se não considera especialmente importante discutir se haverá ministérios azuis num Governo laranja, já existem ideias sobre o que um novo Governo apoiado pela IL teria de fazer.

Há um programa extenso — as 600 páginas deram que falar — e um programa político abrangente, mas para um partido que se quer somar a um outro com muito mais votos será sempre necessário escolher algumas bandeiras temáticas e identificá-las como prioritárias. Cotrim parece sabê-lo. E elencou já duas grandes áreas e uma privatização para levar para cima da mesa.

 “Na área da fiscalidade e na área da saúde tem de ser certamente possível fazer avanços rápidos no sentido de que gostaríamos de ver acontecer. Depois há coisas simbólicas como conseguir acabar com esta loucura que é o investimento e dinheiro público naqueles montantes na TAP. Seria muito simbólico para aquilo que queremos fazer no país”, referiu Cotrim, depois de interpelado pelos jornalistas.

Admitindo satisfação por ouvir as palavras de Rio — “mostra abertura para falar e reconhece o trabalho que tem sido feito e o crescimento que tem registado a Iniciativa Liberal” —, Cotrim acrescenta ainda assim que não vai dormir “a pensar se o doutor Rui Rio vai estar mais ou menos recetivo”.

A IL está na campanha mais preocupada em ganhar força no Parlamento e conquistar a força dos votos para influenciar as políticas públicas do que em seduzir Rio e o PSD. Até porque “não discutimos cargos, será sempre a última das discussões, iremos discutir políticas se a aritmética eleitoral a isso conduzir”.

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Em caso de vitória laranja e acordos entre PSD, IL e CDS-PP, o plano de atividades não passa por reclamar ministérios, garante Cotrim. “Vamos discutir medidas, fazer planos e calendários e no fim queremos estar confiantes que as pessoas que vão estar responsáveis por cumprir esses planos e calendários são pessoas suficientemente competentes e determinadas. Porque coragem e determinação também se exige. Não são é só os liberais que têm essa coragem. É uma preocupação secundária”.

Ainda assim, o candidato está confiante nos quadros do partido para, se necessário e possível, reformar o Estado e mudar o rumo do país em direção ao liberalismo. Nomeadamente “na economia, na Saúde, na administração interna, na modernização administrativa, há várias áreas onde seríamos capazes de mudar o país muito e bem. Temos pessoas muito boas em todas as áreas. Até me sinto mal em discutir isto, por um lado pelo desconhecimento dos resultados e depois porque pergunto: vocês já nos viram pedir ou exigir cargos por alguma coisa?”.

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