A pintura impressionista de Camille Pissarro ilustra uma rua de Paris num dia chuvoso. Está pendurada num dos principais museus de arte de Madrid e numa disputa, de quase 17 anos, sobre quem é o seu legítimo proprietário.

O caso foi inicialmente apresentado ao tribunal federal da Califórnia, mas o destino do quadro está agora nas mãos do Supremo Tribunal dos Estados Unidos — com audiência marcada para esta terça-feira, de acordo com o jornal The Guardian.

A pintura “Rue Saint-Honoré in the Afternoon, Effect of Rain” (“Rua Saint-Honoré à tarde, efeito da chuva” numa tradução livre), datada de 1897 e avaliada em 30 milhões de dólares (cerca de 26 milhões de euros), pertencia à família judaica Cassirer até esta se ver obrigada a entregá-la aos nazis.

Em 1939, a família deparou-se com um dilema: ou saía da Alemanha ou arriscava morrer. Optando pela primeira opção, foi-lhes dito que seria possível obter vistos para sair do país e que o custo seria entregar a pintura de Pissarro.

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Um negociante de arte nazi confiscou o quadro em troca de 360 dólares (cerca de 317 euros), mas o dinheiro foi depositado numa conta à qual não conseguiam aceder.

Anos mais tarde, a família Cassirer decidiu procurar a obra de arte. Foi-lhes dito que esta tinha sido perdida ou mesmo destruída e o governo alemão atribuiu-lhe uma compensação de 13.000 dólares (cerca de 11.457 euros) em 1958. No entanto, os herdeiros não renunciaram o seu direito e continuaram à procura do quadro.

Claude, neto de Lilly Cassirer Neubauer, descobriu, quase 40 anos depois, que a pintura estava num museu em Madrid. Tinha andado de mão em mão até chegar a Espanha: nas décadas seguintes ao roubo, o quadro foi parar à Califórnia e depois a Nova Iorque, onde foi comprado por um colecionador suíço que acabou por vender a obra de arte à entidade espanhola.

O governo espanhol recusou o pedido da família para reaver o quadro, o que desencadeou um conflito legal — Claude abriu um processo na Califórnia — que se arrasta há décadas e de gerações em gerações. Após a morte de Claude, em 2010, o seu filho ficou à frente do caso.

“Ao contrário outros casos em que há disputa sobre os factos, ninguém contesta o facto de este quadro ser propriedade dos Cassires e ter sido levado pelos nazis sem compensação”, ressalva o advogado da família, Stephen Zack.

O principal confronto está diretamente relacionado com a lei que deve ser utilizada para determinar o proprietário legítimo do quadro: lei da Califórnia ou lei espanhola?

Em 2015, foi deliberado — num tribunal na Califórnia — que a pintura de Pissarro estava ao abrigo da lei espanhola, ou seja, pertencia ao museu de Madrid. Isto porque a lei da Califórnia defende a impossibilidade de alguém obter títulos de propriedade de um bem roubado.

Foi apresentado recurso da decisão em 2020, mas o desfecho foi o mesmo. Contudo, o tribunal repreendeu a atitude dos espanhóis por desrespeitar os “compromissos morais”.

A audiência que teve início esta terça-feira representa a última esperança da família para recuperar a obra.

“Bem-vindo aos Estados Unidos. É assim que os tribunais funcionam”, disse o Presidente do Supremo Tribunal, John Roberts, ao advogado do museu espanhol — de acordo com a CNN.

O Supremo Tribunal centrou-se na forma como os tribunais federais devem decidir ao abrigo da “Foreign Sovereign Immunities Act”, ou seja, se devem aplicar a lei estadual ou a lei do país estrangeiro.