Os pouco mais de 80 quilómetros que separam Viana do Castelo e Guimarães são os mais distantes até agora percorridos pela caravana do Chega. Não em estrada, mas em tudo o resto. Se à hora de almoço Ventura se sentou à mesa em frente à mais pequena sala de apoiantes desde o início da campanha (cerca de 35 pessoas à mesa), ao jantar estava quase disposto a “mudar a sede do partido” para o distrito de Braga.

Apesar de não ter conseguido um vereador nas eleições autárquicas, a distrital de Braga continua a ser uma daquelas onde o partido tem mais mobilização no país — de tal forma que Ventura fez questão de ali passar a noite eleitoral das últimas eleições. E é também uma daquelas em que o partido tem mais ambições. Uma das pessoas responsáveis pela organização do evento deixava escapar que “tudo está a ser feito” para que se sentem três deputados deste círculo ao lado de Ventura, um objetivo quase tão grande como a que existe relativamente a Lisboa.

Em Braga, Filipe Melo é uma estrela quase tão grande quanto André Ventura — uma raridade dentro do partido. O presidente da distrital e cabeça de lista levantou a plateia em Guimarães, onde estavam mais de 200 apoiantes no jantar-comício, com os mesmos cânticos que tantas vezes são dirigidos ao líder do Chega. E trouxe o lema “Deus, Pátria, Família e Trabalho” — uma adaptação feita da ideia popularizada por Salazar — para dizer que “não há conotação possível” porque o partido é “ímpar” e “não se liga a passados mais ou menos corretos, mais ou menos aceitáveis”.

Em Guimarães, na terra onde nasceu Portugal, nem uma palavra de André Ventura sobre D. Afonso Henriques — exatamente as mesmas que dedicou a Rui Rio num dia em que admitiu que as sondagens podem estar a mostrar uma “luz ao fundo do túnel” para que a direita tenha uma maioria na Assembleia da República. O líder do Chega estava ali para trazer um tema que só tinha entrado na campanha pela voz de Catarina Martins: o racismo.

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À memória que quis trazer era de um jogo entre o FC Porto e o Vitória — André Ventura ainda chamou ao clube “Guimarães”, mas rapidamente foi corrigido (é “Vitória”); um erro só perdoável ao líder —, e do que se passou após insultos racistas dirigidos por adeptos vimaranenses a Marega, na altura jogador portista. “Acusaram esta terra de racismo e nesse dia houve um partido que esteve ao vosso lado e que nunca terá medo de dizer a verdade”, recordou, ao garantir que o Chega defenderá a “verdade, mesmo que isso traga dissabores”.

O discurso da noite não trouxe novidades, até porque André Ventura já tinha dito muito à entrada, aos microfones dos jornalistas. Para os apoiantes, pediu que não deixassem de ir votar (e reivindicou-o com um tom que ainda não tinha feito na campanha) e justificou-o com a subida da direita nas sondagens (sem o dizer): “Pela primeira vez começamos a ver ao fundo do túnel a hipótese de afastar de vez este Governo de António Costa, a luz que pode levar a uma transformação de Portugal.”

Não há medo de sondagens e até se fazem contas

Se há quem não fale em sondagens, esse alguém não é André Ventura. O líder do Chega admite que vê os estudos de opinião e nunca diz que não a um comentário. Desta vez e com base no estudo de mercado da CNN, foi o próprio a destacar o que mais lhe salta à vista: “Parece começar a construir-se a ideia de uma maioria que é possível à direita.”

“Se o PSD conseguir encurtar a distância para o PS, mesmo que não chegue a ultrapassar o PS, se o Chega tiver mais votos do que o BE e se IL tiver mais votos que PCP, não creio que sejam os mandatos do Livre ou do PAN que farão essa diferença numa maioria de direita”, explicou o líder do Chega, quase à comentador, alertando que, para isso, é preciso que “todos interlocutores saibam estar à altura das responsabilidades”.

E, se é para falar em responsabilidades, André Ventura até se chega à frente para garantir que será “leal” aos “compromissos” feitos no pós-eleições (ainda que não abdique das exigências): “O que é assinado e definido é para cumprir.”

O desafio à direita para auditar o Governo PS

André Ventura não podia deixar passar em branco o dia em que foi noticiado que a Inspeção-Geral de Finanças (IGF) detetou 3,1 mil milhões de euros em subvenções pagas sem controlo. A questão estava na forma como o poderia fazer e quem iria acusar. O líder do Chega optou por colar o PS a uma governação que diz precisar de ser ada e não deixou os partidos de direita de fora, instando-os a aceitarem o desafio.

Numa sala com menos de 40 apoiantes, num almoço-comício em Viana do Castelo, Ventura tinha uma promessa para fazer (daquelas que parecem distantes de realizar se a linha vermelha ao Chega se mantiver): “Se o Chega for a terceira força política e conseguir formar uma maioria de direita, a primeira e mais urgente tarefa é uma auditoria completa às despesas e aos gastos políticos e gastos com sistema político administrativos que o PS teve em seis anos de governação”, anunciou o líder do Chega num almoço-comício em Viana do Castelo.

Logo de seguida, o desafio ao PSD, CDS e Iniciativa Liberal: “Desafio outros partidos à direita a pronunciarem-se se aceitam ou não que, com uma maioria de direita no Parlamento, a primeira coisa que seja para fazer é ver quanto é que este governo socialista gastou em despesas públicas indevidas, em dinheiro abusivamente pago, subvenções vitalícias e mal pagas.”

Um “risco de ser repetitivo” e dois líderes “iguais”

Entre os desafios e as críticas que marcaram o discurso, Ventura colou o PSD ao PS e procurou contrariar o voto útil ao dizer que “a alternativa não é o PSD”, mas sim o Chega.

André Ventura estava ali para voltar a falar dos mesmos temas sobre o interior e até disse que “corria o risco de se tornar repetitivo“, mas não está preocupado com isso. O líder do Chega insistiu na promessa do fim das portagens, nas pensões que têm de aumentar (e que o Chega quer igualar a um salário mínimo) e o preço dos combustíveis (“temos a quinta gasolina mais cara da Europa”). E trouxe culpados: aquele que tem sido o habitual alvo à direita (PSD) e outro, à esquerda (PS).

“António Costa e Rui Rio são iguais, todos criaram novos impostos sobre os combustíveis.” Em causa estava a taxa de carbono a que o Chega quer pôr fim. Apesar de dizer que “temos de salvar o meio ambiente e o planeta”, Ventura não disse como, não apresentou qualquer proposta, mas distribuiu críticas a quem tem um “discurso da moda e das elites”.

“Estas ideias feitas de que combater as alterações climáticas e combater a pobreza energética é um discurso que fica muito bonito e que toda a gente gosta de ouvir, é o discurso da moda, das elites e das grandes cidades”, referiu, frisando que é um discurso que “não serve para ajudar ninguém”, apenas para “penalizar a classe média, os trabalhadores e os pensionistas”. “Temos de salvar o meio ambiente e o planeta, mas não à custa de maiores sacrifícios à classe média”, insistia.

Para reduzir o preço do combustível, o Chega tem duas propostas, acabar com o adicional ao ISP e calcular o IVA “unicamente sob valor do combustível”.