“Estou sim? Era para devolver ‘A Rapariga de Oslo’ aos terroristas islâmicos. Muito obrigada e resto de bom dia.” Para o caso de a linha de reclamações do serviço de streaming demorar muito a atender a chamada, deixo já aqui o recado. Lembram-se daquela famosa frase “o juiz decidiu, está decidido” daquele estranho sucesso dos anos 90 da SIC, “O Juiz Decide”? Eu, ingénua, deixei-me levar por essa premissa e, ao ver a mais recente série nórdica da Netflix dias seguidos no top 10 dos conteúdos mais vistos em Portugal, toca de seguir a tendência. Que erro, que erro. Estão a ver aquelas viagens de carro nas quais as crianças perguntam de três em três segundos “já chegámos, já chegámos?”? Ver “A Rapariga de Oslo” é mais ou menos isso, uma espera constante por algo que parece estar sempre prestes a acontecer, mas que não se materializa. E porquê tantas referências a coisas aleatórias? Porque esta produção de dez episódios — todos disponíveis na plataforma — fica tão pouco empolgante que deixa muito tempo para pensar em tudo menos na história.

Tudo começa em Oslo, quando Alex (Anneke von der Lippe) e Karl (Anders T. Andersen) aparecem em casa da filha, Pia (Andrea Berntzen), para lhe cantarem os parabéns. Só que em vez da surpresa ser para ela, é para os pais: Pia não está, foi para Israel e não disse nada a ninguém. Está chateada com a mãe e o suspense sobre o motivo dura pouco.

Alex mete-se num avião e vai à procura da filha e os espectadores depressa descobrem a urgência, já que a série não sabe ir libertando em doses pequenas o único verdadeiro twist (será que podemos classificá-lo assim sequer?) da narrativa. Pia é filha de Arik (e não Karl), um israelita que esteve envolvido nos Acordos de Paz de Oslo de 1993 (o elemento verídico incluído na história) e por lá conheceu a diplomata norueguesa, Alex. Esse pormenor está lá sempre a pairar, mas acaba por não ser praticamente explorado. Apenas serve de elo de ligação a uma data de personagens de países distintos que, se não fosse isso, jamais se teriam cruzado.

[o trailer de “A Rapariga de Oslo”:]

Pia foi então para Israel à maluca — porque ir da Noruega lá parece ser mais ou menos como ir a Vilar Formoso comprar caramelos — à procura do pai biológico, depois de ter descoberto através de um teste de ADN que não era filha de seu querido pai. Só que antes de ir bater à porta de Arik (Amos Tamam) faz uns amigos por lá e todos decidem ir fazer praia em Sinai, Egito. Porque, mais uma vez, é simples e seguro, como ir até ao Algarve passar o fim de semana. O que é que acontece então a esta norueguesa aventureira, com fisionomia que grita “turista” até vista da lua? É raptada, claro. Ela e os amigos que, desgraçados, estavam só no sítio errado à hora errada. ISIS, Daesh, chamem-lhe o que preferirem (a própria tradução da Netflix não sabe bem o que escolher), quer então devolver a norueguesa em troca de 12 terroristas, presos em Israel, e de um cabeça de cartaz detido na Noruega. Estão a ver o triângulo? Israel, Noruega e Egito estão ligados nesta confusão diplomática.

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E porque é que isto é super empolgante? Não é. A série promete (não muito mas q.b.) e cumpre pouquíssimo. O Estado Islâmico continua ativo, é certo, mas o mundo já não rói as unhas por conteúdos destes como aconteceu quando apareceu “Homeland”, em 2011, por exemplo. “A Rapariga de Oslo” parece ter apanhado um comboio movido a carvão porque chegou ao destino completamente fora de tempo. A temática está gasta e só faria sentido se tivesse um ângulo novo, como foi o caso de “Kalifat”, que em 2020 soube conjugar na perfeição um atentado terrorista planeado na Suécia com vidas de noivas adolescentes recrutadas pelo Estado Islâmico. Se este texto estiver a aborrecer-vos tanto quanto a falta de conteúdo da nova série escandinava, sigam para a Netflix. Estão lá os oito episódios de “Kalifat”.

Já os capítulos de “A Rapariga de Oslo” têm pouco mais de 30 minutos. Não têm tempos mortos, são bastante dinâmicos, mas o ritmo vê-se muitas vezes embrulhado numa confusão e tensão na Faixa de Gaza, onde décadas de conflitos tinham aqui uma oportunidade de serem explorados e explicados através de personagens ricas e movimentações mais complexas do que num jogo de xadrez. Nunca são, infelizmente. Há uma ocidental refém, negociações com terroristas nas quais ninguém quer ceder, uma mãe desesperada capaz de qualquer coisa para recuperar a filha — incluindo contar à mulher de Arik que o marido a traiu e que tem uma filha ilegítima; contar ao Hamas que Pia é filha de Arik, dando armas contra o ministro israelita; ameaçar Arik que vai contar a quem for preciso que Pia é filha dele. No fundo, tudo envolve contar que Arik tem uma filha bastarda. Isto para quê? Para forçar o homem a mexer-se e a saltar todas as barreiras legais e seguras para salvar a filha com a qual é suposto ele sentir uma ligação hiper mega profunda apesar de nunca a ter visto. Andamos sempre à volta disto: alianças, chantagens e a típica história da miúda boazinha em apuros (e esta personagem cansa de tão pseudo-reivindicativa que é) e dos maus que querem fazer explodir tudo em nome de Alá. As divisões locais e o que continua em causa nesta guerra sem fim são temas abordados de forma superficial, como se fossem um mero bibelot a enfeitar a história.

No meio disto tudo, um dos mauzões que se arrepende muito do que está a fazer, Yusuf (Shadi Mar’i) — cuja inércia facial faz lembrar o momento em que Salgueiro Maia (interpretado pelo italiano Stefano Accorsi, situação que me apoquenta desde que percebi que a voz do homem é dobrada em português) diz “este é o melhor dia da minha vida” sem mexer um único músculo da cara em “Capitães de Abril” — e que ajuda Pia e o amigo Nadav (Daniel Litman) a escaparem ao Daesh é, espantem-se, filho de Layla (Raida Adon), uma amiga antiga de Alex que esteve envolvida nos, espantem-se ao quadrado, Acordos de Paz de Oslo. Yusuf era bom, mas depois virou mau e agora quer ser bom outra vez. Pronto, é isto. E não é bom. Passem à frente.