É no Porto que a caravana do PAN começa o dia. Depois de uma passagem pela estação de São Bento, a comitiva faz a Rua de Santa Catarina para depois subir em direção ao Campo 24 de agosto. Pelo meio, há uma passagem pelo emblemático Mercado do Bolhão, atualmente em casa emprestada. Bebiana Cunha, cabeça de lista do partido pelo Porto, e que acompanha Inês Sousa Real nesta ação de campanha olha pelo vidro para o interior, com a ajuda das mãos, para tapar o reflexo. A líder questiona: “Vamos entrar?” Bebiana Cunha responde: “Já aí passamos”.

É o terceiro mercado com que a comitiva do PAN se depara nestas semanas de campanha. Ao contrário do Bolhão, uma visita ao Mercado Municipal de Portimão e também ao Mercado do Pirecoxes, em Loures, estiveram na agenda do partido. Mas este não. E apesar dos quase 300 km de distância que separam os dois mercados, há um ponto em comum: Inês Sousa Real tem evitado passar pelas bancas da carne e do peixe. E esta terça-feira, uma vez mais, não foi exceção.

Mas puxamos a fita atrás. A candidata do PAN pelo distrito do Porto deixou para depois uma eventual visita ao Mercado do Bolhão, na manhã desta terça-feira. A comitiva subiu até ao Campo 24 de agosto, onde prestou declarações aos jornalistas. Confrontada com o facto de não ter entrado naquele que é o mais famoso mercado da cidade do Porto, Inês Sousa Real recusou a ideia de que está a “fugir” a estes espaços e, mais concretamente, às bancas do peixe e da carne.

“Contamos passar lá no regresso”, garantiu, afirmando que a decisão se prendeu com o facto de “ainda ser de manhã” e a possibilidade de haver ou não comerciantes no interior do mercado. “Não houve qualquer indecisão, respeitamos os diferentes comerciantes e, mesmo havendo uma visão diferente daquilo que é a necessidade de redução do consumo e promoção de estilos de vida alimentares mais saudáveis, temos o maior respeito por todos os comerciantes e pelo seu modo de vida”, assegurou.

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Perante a insistência, de que ignorou os trabalhadores que têm o negócio da carne ou do peixe fresco nos dois mercados que já havia visitado na semana passada, Inês Sousa Real afirmou que o PAN “tem resposta para essas pessoas e para todo o comércio”, sublinhando que tem “falado com essas pessoas” e que “nunca se furtou” a isso, apesar de defender que a sociedade não pode continuar a tratar “os recursos como finitos”. “Temos tido o cuidado de não hostilizar”, esclareceu, prometendo que iria sem qualquer problema visitar o Mercado do Bolhão.

Meia hora depois, Inês Sousa Real visitou o Mercado, sim, mas voltou, pela terceira vez, a ignorar os comerciantes que vendem o peixe fresco e a carne. Visitou as bancas dos vegetais e das frutas, distribuiu flyers e mostrou até que esta semana é o tudo ou nada — está mais comunicativa, aproveita para deitar conversa fora e até bebeu uma ginginha com alguns membros da comitiva. O brinde foi “ao PAN, a todas as pessoas e a todos os animais”. No entanto, alguns trabalhadores ficaram de fora da visita àquele local.

Foi o caso de Lurdes, que, atrás da banca da carne, enquanto vai afiando facas, admite que nem deu pela entrada de nenhuma comitiva. Quando foi alertada pelos jornalistas de que tinha sido o PAN a passar por ali, a comerciante desvalorizou. “Ah, é o PAN? O PAN não pode vir para aqui que a gente é contra eles”, diz entre risos. “Então o PAN não é o que não quer [comer] animais? Se toda a gente votasse no PAN, eu não sobrevivia”. Luísa trabalha neste negócio desde os dez anos de idade e nunca teve outro emprego. Trabalha no Mercado do Bolhão há mais de 52 anos. Se fosse confrontada com Inês Sousa Real, esta comerciante não tem dúvidas do que lhe diria: “Que vá à sua vidinha e que não venha cá perturbar a gente”, atirou.

E até se atreve a dizer que a líder do PAN não visitou aquela parte do Mercado porque “já sabia a resposta que ia ter” ali, apesar de admitir que a comitiva deveria mesmo assim ter visitado também aquelas bancas para ouvir os problemas de todos os trabalhadores. E até dá o exemplo de Francisco Rodrigues dos Santos: “Na semana passada, esteve aí o CDS e o CDS veio cá!”

Também Maria, mais à frente numa outra banca que vende carne, não deu conta de que andava por ali uma caravana de um partido candidato às legislativas. Não conhecem bem as propostas que o PAN defende, mas tenta adivinhar o motivo pelo qual Inês Sousa Real evitou passar por ali. “Eu deduzi que eles não viriam por aqui, porque não são a favor do abate” de animais, contou em declarações aos jornalistas.

Inês Sousa Real garante que estes trabalhadores são comerciantes como os outros, mas, uma vez mais, optou por não visitar as bancas que vendem produtos animais. Foi o terceiro mercado em que esse cenário se verificou, em que não conversou com essas pessoas nem ouviu os seus problemas, algo que diz gostar de ouvir nas ruas, no contacto com a população.

Cenário mais flagrante ocorreu em Loures, quando precisava “obrigatoriamente” de passar por um corredor para poder abandonar aquele mercado, em que tinha de um lado e de outro bancas que vendiam peixe fresco. A líder do PAN fez esse caminho e não falou com as vendedoras de peixe, tendo no entanto, mais atrás, tido contacto com produtores de ovos.