O divórcio de um duque e de uma duquesa podia ser notícia por si só, nem que fosse apenas nas páginas das cusquices sociais de jornais e revistas. Porém, o caso “Argyll v. Argyll” deu mais sumo à imprensa do que as melhores laranjas do Algarve. Estamos em 1963, Londres, Reino Unido.
Em tribunal Ian Campbell (Paul Bettany) pede o divórcio, alegando infidelidades da mulher, supostamente envolvida com mais de 80 homens. Ela, Margaret Campbell (Claire Foy), acusa o marido de fazer o mesmo. O tribunal diz: não há testemunhas (das infidelidades), não há provas — mais ou menos como a história de “não há corpo, não há crime”. Já para o lado de Margaret as coisas estão mais complicadas. Há fotos, incluindo uma na qual a duquesa faz sexo oral a um homem. A cara da mulher não é visível, mas o colar de pérolas é suficiente para provar que é ela. O facto de as imagens terem sido roubadas de entre os objetos pessoais de Margaret também não é problema para a justiça britânica. Sem revelar o desfecho do processo, talvez baste dizer que o juiz só precisou de três horas e dez minutos para decidir a sentença.
[o trailer de “A Very British Scandal”:]
Independentemente do resultado — que é conhecido no último de três episódios disponíveis na HBO —, fora do tribunal a culpada do divórcio era só uma: a mulher. Não interessava que o homem tivesse duas ou 20 amantes, isso nem sequer tinha de ser segredo. O mesmo já não se aplicava ao outro lado e muito menos era aceitável uma mulher gostar de sexo. Margaret Campbell era uma espécie de aberração, insultada nas ruas e humilhada nas páginas dos jornais, onde todos os detalhes foram escarafunchados.
“A Very British Scandal” conta isso mesmo, a história de um escândalo mediático — não confundir com “A Very English Scandal”, que também mora na HBO, mas que recorda a história de Jeremy Thorpe, o primeiro político britânico acusado de conspirar para matar o antigo parceiro. O julgamento acaba por ocupar uma parte muito pequena da narrativa, é o culminar de uma bola de neve que começa a formar-se 16 anos antes, quando Ian Campbell, herdeiro de terras e títulos, conhece Margaret, filha única e mimada de um empresário rico. Ela está a livrar-se de um casamento, ele já acumula dois divórcios no currículo. Aquilo que vemos acontecer entre os dois não é, embora possa parecer à partida, uma paixão louca. Ian e Margaret são dois seres extremamente egocêntricos, ambiciosos e interesseiros. A ela agrada-lhe passar a ser duquesa, ele quer o dinheiro da família dela — porque Campbell pode ter os títulos e os castelos, mas não tem como recuperar e manter as propriedades e muito menos tem capacidade de gestão.
Os dois casam-se e instalam-se no Castelo de Inveraray, na Escócia. E com as contas todas pagas pela nova mulher (incluindo um casaco de pelo oferecido por Ian à ex-mulher), o duque começa a revelar-se. Instável, alcoólico, irascível, violento, mesquinho e a lista podia continuar. “Todas as manhãs pergunto-me com que Ian vou acordar”, diz a dada altura Margaret que é, inclusive, gozada pelo marido quando situações de nervos ou ansiedade a fazem gaguejar.
Apesar de tudo isto, Margaret não é apresentada como uma vítima. Ela própria faz inúmeras coisas questionáveis, como falsificar uma carta que garante que os filhos de Ian com a ex-mulher não são dele ou tentar comprar um bebé que passe por seu filho biológico. Tudo para não correr o risco de ficar sem o que construiu e financiou, já que não tendo filhos em comum com o duque, não herdaria nada em caso da morte deste. Regressa também à sua vida de festas e encontros sexuais em Londres quando percebe que o cenário idílico da Escócia está longe de ser um postal.
Claire Foy é a alma de toda a produção, a cara que carrega a história com coerência — são três episódios que fluem com cadência e mantendo sempre o interesse. Consegue ser vulnerável nos momentos de solidão da personagem, mas dura e impassível quando tem de enfrentar um julgamento na praça pública. A personagem que interpreta está pouco preocupada com o que pensam dela e acaba por pagar um preço alto quando aqueles que antes adoravam a sua falta de pudor se sentem envergonhados pelas “especulações sobre a nossa classe”, diz-lhe Maureen (Julia Davis), uma dondoca que só é próxima de Margaret quando lhe dá jeito.
“A Very British Scandal” não é uma série feminista, apesar de evidenciar as desigualdades entre homens e mulheres e a facilidade com que eram julgados e condenados os comportamentos de uns e não de outros. Margaret Campbell não é heroína nem vilã, a narrativa deixa-nos decidir se simpatizamos ou não com ela — há momentos em que a balança se inclina para o “sim”, outros para o “não”. Contudo, foi uma mulher que não se desculpou pelas suas escolhas — e esse caminho teria sido bem mais inteligente para ela — e só por isso a sua história merece ser contada. Morreu na miséria, não levou com ela o mítico colar de pérolas, mas guardou até ao fim a identidade do homem das fotos.