A arruada na Baixa da Banheira, onde em 2019 a CDU juntou centenas de pessoas com um aparato colorido e animado, estava desta vez agendada para as 10 horas, mas o frio parecia ter atrasado a adesão à iniciativa e o compasso de espera foi-se estendendo no tempo. Os atrasos são pouco comuns, mas em dia de regresso de Jerónimo não há compasso de espera que incomode. E o regresso foi sinónimo de emoção. Emoção na comitiva, emoção em Jerónimo que assume ter travado mais “uma luta” que lhe deu uma lição: “Aprendemos a gostar mais da vida.”

A arruada arrancou às 10h28, Jerónimo entrou às 11h37 sob aplausos e ainda recebeu cravos das mãos de uma criança. Mas além do simbolismo do momento do regresso e da emoção, de Jerónimo ficam vários e importantes recados.

Com um registo manifestamente mais emocional que o habitual, Jerónimo de Sousa agradeceu o apoio e assumiu: “Aqui estou porque é preciso”.

“Os dias não foram fáceis, não foi tanto da intervenção cirúrgica. O mais difícil foi ver uma campanha a correr”, disse o secretário-geral acrescentando que “estar longe e num hospital” é “uma contradição muito difícil de dirimir”.

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Jerónimo de Sousa que ainda há poucas semanas nas entrevistas continuava a frisar que a questão da sucessão não se colocava “enquanto a saúde o permitisse”, vê-se agora na situação de ter tido que parar e ficar afastado. “Tive que me conformar e fazer de tudo para ficar bom o mais próximo possível. Tudo o que era preciso fazer, fez-se”, disse Jerónimo e, aqui, o “tudo o que era preciso fazer” aplica-se à sua recuperação e às alterações que foram acontecendo na caravana comunista.

No que diz respeito à substituição dos últimos dias, com a atenção focada em João Ferreira e João Oliveira, Jerónimo de Sousa fez questão de puxar Bernardino Soares para o centro da ação, frisando a “decisão acertada da direção do partido”.

“Quero dizer que, para além desses, o Bernardino também participou na campanha. Dizer que foi uma acertada decisão da direção do partido meter esses dois camaradas, três, a assumirem a tarefa de conduzirem a campanha, particularmente em termos de comunicação social, programa, debates”, frisou o secretário-geral comunista lembrando a importância de Bernardino que, efetivamente, apenas substituiu João Ferreira na ação da manhã do dia em que testou positivo, em Loures (onde já marcaria presença por ser mandatário da candidatura em Lisboa), tendo João Oliveira sido forçado a inverter a marcha em Évora para rumar ao norte do país onde a caravana estava nessa tarde.

“Temos um conjunto de quadros que são de uma grande categoria. É uma grande categoria que se mostrou em plena campanha. Valeu a pena a experiência”, disse Jerónimo depois de reconhecer as dificuldades por que passou e rindo-se.

Num percurso de poucos metros até à praça onde estava o púlpito preparado para as intervenções, mais demorado pelas paragens para recolha de imagens, Jerónimo demorou cerca de 12 minutos a percorrer o espaço. Entre o momento em que chegou à arruada e a entrada na carrinha que transporta o secretário-geral em funções passou exatamente uma hora.

Nessa hora, Jerónimo deixou recados também “a quem se esforça e usa todos os truques e manhas para fazer crer que nestas eleições tudo se decide entre PS e PSD ou que tudo se resume e determina pela escolha de um qualquer primeiro-ministro”.

“Veja-se como Rio e Costa falam. Para lá dos seus encenados confrontos, Rio oferecer-se para dar uma mão ao PS e Costa a anunciar a sua disponibilidade para negociar orçamentos do Estado com o PSD”, apontou Jerónimo acrescentando que é “tudo feito com o objetivo de fugir à influência do PCP e do PEV”.

Numa altura em que António Costa já alterou o discurso — dizendo-se agora disponível para falar com todos (exceto o Chega) — Jerónimo aproveita a primeira intervenção em tempo de campanha oficial para lembrar que a geringonça de 2015 é fruto da obra da CDU.

Afinal, Jerónimo voltou, mas o discurso comunista continua — sem qualquer surpresa — em uníssono independentemente de quem o profira.

Jerónimo ao lado de Oliveira em Évora para atirar ao PS. “Aparente ambiguidade do PS é tudo menos inocente”

E no primeiro dia de Jerónimo, a caravana comunista aproveita o élan de João Oliveira nos últimos dias e saiu à rua numa arruada, marcada à última da hora. Com a concentração na praça do Giraldo e desfile até ao Teatro Garcia de Resende, o encontro entre João Oliveira e Jerónimo fez-se de um forte abraço à chegada do desfile ao teatro.

Já no teatro, com a plateia cheia, Jerónimo subiu ao palco para responder à mudança de rota no Partido Socialista. Sem rodeios: “PS disfarça mal vontade de se encostar ao PSD”.

O PS agora tenta emendar a mão e diz que está disponível para dialogar com quase todos. É uma resposta que disfarça mal a vontade de se encostar ao PSD a seguir às eleições. Essa aparente ambiguidade do PS é tudo menos inocente”, apontou o secretário-geral do PCP e aproveita para capitalizar: “é um sinal que deve deixar alerta todos os que estão com dúvidas no seu voto”.

“Prepara-se para um governo à Guterres. Governar lei a lei com o PSD é abrir a porta à política de direita. Não queremos que a direita entre nem pela porta nem pela janela”, atirou animando a assistência de Évora.

“É uma direita maquilhada a querer mostrar moderação, equilíbrio e simpatia. Uma direita que pode estar disfarçada, encenar diferenças face à truculência dos seus sucedâneos, mas não mudou a sua natureza nem os seus objetivos”, diz seguindo o discurso dos últimos dias da CDU de ataque à direita.

Mas o voto útil no PS também não está esquecido e Jerónimo nota que “esta campanha mostrou também um PS ansioso para ter as mãos livres, para voltar em pleno para estar com compromissos com a política de direita”.

E isso significa recusar entender-se com os ex-parceiros de geringonça: “Preparado para deixar para trás o caminho de recuperação de direitos que as circunstâncias políticas e a determinação das forças da CDU impuseram nos últimos anos”.

Antes, João Oliveira que substituiu Jerónimo de Sousa durante grande parte da campanha eleitoral já tinha aproveitado para dar um bicada nos “que se dizem lutadores e gente de esquerda”, atingindo o BE e novamente o PS.

“Mesmo em tempo de epidemia quando muitos dos que se dizem lutadores e gente de esquerda ficaram fechados em casa, a fazer vídeos nas redes sociais e a discutir o sexo dos anjos, fomos nós que andámos a acompanhar a realidade do distrito”, atacou o cabeça de lista por Évora.