A Comissão de Mercado e Valores Mobiliários (CMVM) aplicou uma coima de 50 mil euros por infrações várias à empresa que foi a revisora oficial de contas da Yupido, uma empresa sem atividade conhecida e que se tornou famosa em 2017 pelo valor insólito do seu capital social de quase 29 mil milhões de euros. O caso deu origem a muitas notícias e investigações de várias entidades onde se tentava perceber se o processo de validação de um capital social tinha cumprido as regras legais e contabilísticas.

A visada nesta condenação divulgada esta quarta-feira é a J. Rito & Associada, empresa que foi a revisora oficial de contas da Yupido no primeiro ano em foi criada. Uma das condenações foi por falha das regras de prevenção e branqueamento de capitais e combate ao financiamento do terrorismo porque a auditora não exigiu, nem verificou a identidade dos representantes da empresa, nem dos seus beneficiários efetivos. E apesar de a entidade não ter fornecido os elementos de identificação referidos, incluindo fotografias, a auditora não recusou prestar os seus serviços, tendo emitido certificação legal de contas em 2015.

A condenação da CMVM, que tem a supervisão das auditoras, incide apenas sobre o trabalho de fiscalização das contas de 2015 e de 2016 da Yupido. De fora destes processos ficou a operação de aumento de capital em espécie (sem dinheiro, mas pela valorização de um ativo) para 29 mil milhões de euros e que a auditora da Yupido não quis certificar, segundo notícias publicadas na altura. Essa operação foi validada por um outro auditor depois de a J. Rito e Associada ter pedido escusa de emitir opinião sobre o exercício de 2016 no qual foi registado o aumento de capital que deu que falar.

A investigação da CMVM encontrou falhas na verificação do ativo intangível que esteve na origem do capital inicial, avaliado em 243 milhões de euros, e que surge descrito nas contas da Yupido como um software de gestão. Esse valor estava classificado na rubrica de caixa e depósitos bancários, mas o auditor não o referiu como ativo, nem apresentou provas de auditoria sobre a sua verificação.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Os 243 milhões iniciais da Yupido eram um software de gestão para empresas

Da empresa ou da tecnologia inovadora que lhe valeu a valorização extraordinária — e que corresponde grosso modo a toda a cobrança de impostos indiretos como o IVA prevista para o ano passado — pouco ou nada se soube. Apenas as explicações públicas dadas pelo revisor oficial de contas que validou a valorização do ativo — uma tecnologia ou software em desenvolvimento e que chegou a descrever como uma televisão revolucionária.

Avaliador da Yupido diz que viu a “televisão revolucionária”. E lembrou-se de Steve Jobs

A Yupido foi descoberta a partir de uma anomalia estatística detetada por um professor universitário enquanto estava a correr uma base de dados sobre indicadores básicos de empresas portuguesas. A notícia espalhou-se pelas redes sociais e chegou à comunicação social que fez várias tentativas para saber o que fazia a empresa e o que podia valer tanto dinheiro, tendo chegado à fala com alguns responsáveis da mesma, mas sem grandes resultados. Em 2019 o Ministério Público arquivou a investigação sem constituir arguidos.

Encontrámos o escritório secreto da Yupido. Estes 29 mil milhões moram em Telheiras

Foram vários os problemas detetados pela CMVM na avaliação ao trabalho da sociedade de ROC na verificação das contas da Yupido de 2015, o primeiro ano do exercício da empresa misteriosa. Um deles foi a não documentação de informação suficiente sobre a avaliação e verificação das demonstrações financeiras, nem sobre as confirmações externas efetuadas. Também não ficou documentado o pedido de declaração assinada pelo conselho de administração sobre acontecimentos posteriores ao fecho das contas de 2015

A supervisora concluiu que a arguida violou deveres de documentação de prova de auditoria, o que constitui uma contraordenação muito grave. E refere também que foram feitos trabalhos de auditoria já depois de emitida a certificação legal de contas de 2015 na qual não foram feitas referências a alterações no capital próprio ou em fluxos de caixa, não obstante ter encontrado no seu trabalho documentos que indicavam fluxos negativos de caixa e variações negativas do capital próprio.

Mesmo quando a sociedade pediu escusa de dar uma opinião sobre as contas de 2016 da Yupido, não incluiu qualquer referência explícita ao tal ativo de 243 milhões de euros e não fundamentou a sua escusa, explicando porque não validava as contas. Nestes casos, a regra deve ser explicitar que a matéria em apreciação era “inexistente, significativamente insuficiente ou ocultada”.

A CMVM aplicou uma coima única de 50 mil euros com metade do pagamento suspenso por dois anos. Esta condenação transitou em julgado.