A economia mundial deverá continuar a viver em 2022 os efeitos da desaceleração provocada pela pandemia, mas o cenário é já diametralmente oposto ao de 2021. Há um ano, o tema-chave era o da transição do colapso pandémico para uma recuperação que se esperava explosiva. Nos próximos meses, depois da recuperação histórica de 2021, vamos entrar num período de desaceleração/normalização económica, sendo que um novo equilíbrio entre a oferta e a procura agregada (contração monetária, diminuição do rendimento real disponível e diluição do “efeito-base”) deverá motivar uma desaceleração gradual dos riscos de inflação ao longo do ano. A possibilidade da inflação não recuar na medida que projetamos, independentemente do tightening do FED, é o principal fator de risco que pode colocar em causa o ritmo do crescimento económico associado ao cenário base. Em resumo, são estas algumas das expectativas macroeconómicas traçadas pelo BiG (Banco de Investimento Global), com base no relatório “Outlook Macro/Mercado para 2022” desenvolvido pelas diferentes áreas de Mercado de Capitais do Banco.

Num webinar realizado a 18 de janeiro, os especialistas do banco falaram das oportunidades e desafios do novo ano no que se refere à evolução macroeconómica e a oportunidades de investimento. O webinar assinalou a segunda edição do Capital Markets Day, um evento flagship anual do BiG, realizado online exclusivo nos últimos dois anos, integrado nas BiG e-Talks, conjunto de conferências digitais que o banco tem oferecido ao mercado sobre diferentes temas a atualidade económica e financeira. O vídeo completo do BiG e-Talks | Capital Markets Day 2022 está agora disponível através do YouTube.

Após João Lampreia – Estrategista Chefe do BiG – ter introduzido o evento e traçado o diagnóstico de “todo um Mundo de diferenças que subsistem entre janeiro de 2022 e janeiro de 2021”, tanto no âmbito macroeconómico como no âmbito de mercados, Francisco Cavaco (analista macro do Research BiG) salientou que 2022 deverá conhecer uma “tendência de normalização” e “uma perspetiva de crescimento económico interessante”. “Os governos irão introduzir menos restrições ao movimento – sobretudo nos países desenvolvidos e com estágios vacinais mais adiantados – e isso irá potenciar o crescimento económico das principais economias”, disse. Se a pandemia se mantiver, como nos últimos meses, com números relativamente baixos de óbitos, apesar de altas taxas de infeções reportadas, estará aberto um caminho sólido para a normalização económica, sendo a nova variante Ómicron um acelerador para o Covid endémico – algo que já se encontra completamente descontado nos preços de mercado.

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“Os governos terão uma postura de maior flexibilidade, o que reforça a tendência de crescimento”, mas reforça também “o risco de inflação”, apontou Francisco Cavaco. Com o consumo a recuperar, e algumas restrições do lado da oferta, podemos ter uma primeira metade de 2022 com pressões inflacionárias. A intransigência da China na contenção dos casos Covid, mesmo depois de ter alterado a sua designação técnica da luta contra a Covid – de “Covid zero” para uma “supressão dinâmica”, o risco que a variante Ómicron continue a desestabilizar as cadeias de abastecimento (situação que havia melhorado um pouco nos últimos 3 meses do ano) parece uma certeza sobretudo no primeiro semestre do ano. Uma alta dos preços duradoura pode até ficar a dever-se aos aumentos salariais excessivos determinados pela escassez de mão de obra no mercado de trabalho nos EUA, ainda que esta situação seja parcialmente mitigada pela previsível redução do consumo das famílias nos EUA – uma vez que tanto as poupanças acumuladas nos anos pandémicos como as subidas salariais são mitigadas pela subida histórica da inflação que acaba por retirar poder de consumo às famílias. Por outro lado verifica-se uma espiral negativa/inflacionária relacionada com a subida do custo dos bens e serviços que tende a reverter para maiores exigências salariais, mesmo num contexto em que as empresas têm vindo a lidar com uma subida consistente dos fatores de produção e conseguem apenas passar uma parte dessa subida de custos para o consumidor final – pelo que o desenlace acaba por ser uma erosão das margens operacionais, declínio dos resultados e esta pressão em alta da inflação, se não travada atempadamente tende a travar o ciclo de expansão – algo que é aliás uma evidência histórica, mas uma situação que apesar de tudo mais de uma geração nos últimos 30 anos deixou de estar habituado.

João Calado, CFA (Head of Research BiG), abordou em paralelo as dinâmicas temporárias e estruturais da inflação, focando-se em particular na problemática da questão energética, nomeadamente do petróleo e do gás natural que afeta particularmente de forma severa o bloco Europeu. Apenas no que diz respeito ao “ouro negro”, exemplificou João Calado, havia em 2019 um relativo equilíbrio entre produção e consumo de petróleo, mas em 2020 deu-se uma queda abrupta do lado da oferta e da procura. A retoma em 2021 apontou para um regresso a níveis pré-pandémicos, apesar de o consumo continuar a superar a produção, pelo que não antecipamos uma moderação significativa do preço do crude em 2022.

O responsável de Research do BiG, considerou que em 2022, o barril de petróleo deverá rondar os USD 80 por barril, o que, comparado com a média de USD 65 /barril em 2021, significa uma “pressão inflacionista preocupante para os governos”. Daí que os EUA, e outros países, tenham vindo a libertar reservas de petróleo e emergência para acalmarem a valorização do petróleo. Não se vislumbram, porém, efeitos de longo prazo no que ao preço da energia diz respeito.

João Calado destacou para 2022 os temas da reabertura das economias (com mais turismo/aviação e consumo discricionário), a reversão da política monetária dos principais bancos centrais (com efeito positivo no aumento das taxas de juro dos bancos), a digitalização (o que beneficia empresas tecnológicas e de logística) e ainda a inflação no imobiliário residencial.

“Política monetária mais contracionista”

O BiG E-Talks | Capital Markets Day 2022 contou ainda com a intervenção de Gonçalo Correia (Fixed Income Trader BiG), segundo o qual a recuperação extraordinária que tivemos em 2021 deveu-se em grande medida à ação concertada, histórica, sem precedentes e imediata dos bancos centrais que surtiu o desejado efeito de resgatar a economia mundial dos escombros após o colapso Covid. Os estímulos mais agressivos foram implementados sem contemplações logo no período negro entre março-abril de 2020, mas ainda que em menor dimensão continuaram a ser adotados ao longo de 2021. Agora tudo isto já pertence a um passado distante e “encontramo-nos agora numa fase de transição de uma política monetária bastante acomodatícia para uma política monetária mais contracionista”, fruto das expectativas de inflação e do ciclo económico vigente.

No que à Europa diz respeito, Gonçalo Correia pôs em evidência o facto de a política monetária ter levado a uma contínua compressão dos spreads de crédito, o que tem tornado cada vez menos apelativa para os investidores a dívida soberana dos países da Zona Euro. “Política monetária contracionista e aumento da inflação são tipicamente fatores negativos para o mercado obrigacionista”, pelo que nesta fase “o mercado ainda aparenta uma avaliação pouco apelativa, dado o contexto marcroeconómico”, explicou o especialista. Alertou ainda assim que na Europa, a evolução dos spreads de crédito podem ficar relativamente contidos, uma vez que na generalidade dos países Europeus continuará a verificar-se o denominado “Net Supply Negativa”, isto é, a diferença entre o nível de dívida que é emitido pelos Países face ao valor que é comprado pelo BCE continuará a assumir um valor em 2022 essencialmente negativo.

Instado a identificar as oportunidades de maior valor que se podem encontrar nos diferentes ativos financeiros, Rui Broega (Diretor da Gestão de Ativos BiG) disse que o ano de 2021 “andou demasiado bem para o que foi a velocidade de recuperação económica”, algo que foi uma continuação da tendência do bust e boom dos ativos financeiros que já se havia verificado em 2020. Este fator acaba por “retirar alguma margem de valorização futura que poderíamos esperar”, ainda que permaneça em 2022 algum otimismo relativo para o desempenho das ações em relação às obrigações, destacando o responsável que o bloco emergente parece surgir no “Pole Position” como tema de investimento favorito para 2022, seja para o bloco de de ações, como para o bloco de dívida.

Ao traçar cenários com impacto nas principais classes de ativos, ações e obrigações, Rui Broega referiu-se ao ano que agora começou como de “moderação do crescimento económico” com uma velocidade em eventual desaceleração à medida que os bancos centrais retiram a política monetária acomodatícia dos últimos 24 meses. “Seguramente será um ano que a 31 de dezembro irá fechar com taxas, tanto nos EUA como na Europa, mais elevadas do que os atuais níveis. Quanto mais elevado esse nível de taxas acabar por atingir, maior a disrupção que será infligida aos ativos financeiros e provavelmente no maior/menor ritmo de desaceleração da atividade em curso.

Por fim, Ricardo Seabra, CFA (Head Portfolio Manager do BiG Diversified Macro fund), interveio acerca da importância dos investimentos alternativos no contexto macroeconómico atual desafiante. Os portfolios clássicos, constituídos por 60% de ações e 40% de obrigações, correm hoje maior risco e têm menor retorno, ao passo que os ativos alternativos, indicou o especialista, “costumam ter uma resiliência especialmente interessante nos períodos mais difíceis em que os portfólios tradicionais requerem amortecedores de risco”. Acrescentou igualmente a performance assinalável deste tipo de instrumentos financeiros face à correlação vigente ações-obrigações, ainda para mais num contexto inflacionário sem precedentes nos últimos 30 anos.

Ao resumir as diversas perspetivas apresentadas, João Lampreia falou de uma “normalização do crescimento económico em 2022”, que continuará a superar os registos pré-pandemia. Porém assinalou que se esperam “retornos mais estreitos face aos ganhos recentes de curto prazo” (parte de 2020 e 2021), bem como face aos ganhos consistentes do mercado accionista observados ao longo de toda a década após a Grande Crise Financeira (2009-2020). Este é o momento em que os ativos financeiros deverão ficar para trás em relação à normalização do desempenho económico global. O responsável salientou que a inflação deverá reverter gradualmente dos níveis historicamente elevados em que se encontra atualmente, sendo que a Europa e os Emergentes apresentam uma melhor perspetiva de crescimento económico em 2022 face aos EUA relacionada com o efeito de atraso relativo do estágio macro-cíclico e não tanto por questões idiossincráticas. No que respeita as diferentes classes de ativos, João Lampreia enalteceu que as ações se encontram obviamente dispendiosas em termos absolutos na fase atual, mas que os prémios de risco ainda se encontram distantes de níveis observados no rompimento de bolhas especulativas, pelo que o cenário de uma queda intensa das ações afigura-se pouco provável. Com efeito, a queda do mercado de ações do máximo ao mínimo intra-anual potencial deverá situar-se ligeiramente acima da média histórica (correção do índice tendencialmente entre 10% a 15%), o que a concretizar-se poderá limpar até alguns excessos e devolver oportunidades temáticas ao mercado. Em relação a temas de investimento preferenciais, o responsável salientou a importância da temática de Investimento de Valor (setores/empresas que se encontram com métricas fundamentais atrativas) de China/Emergentes como os temas de investimento preferenciais para 2022, fruto da dispersão bastante significativa a nível de avaliação, preços e posicionamento, ainda que nas últimas 3 semanas os fluxos financeiros direcionados do tema Crescimento (empresas tecnológicas/outras cuja dinâmica de crescimento de resultados se irá materializar essencialmente no futuro) para Valor em foram particularmente significativos a nível global. O movimento de saída de Crescimento foi de tal maneira exacerbado que este segmento poderá denotar também algum valor no médio prazo, sobretudo se a subida das taxas de juro de dívida nos EUA até final do ano for mais contida do que aquilo que projetamos (~2,25% na maturidade a 10 anos).

No período final de perguntas do público e respostas dos especialistas, o webinar ficou marcado por referências à China. É uma economia que se encontra na fase inicial de recuperação após a desaceleração agressiva do ano passado induzida pelo Governo/PBOC, fruto do efeito combinado de reversão fiscal/monetária e a amplitude de pressões regulatórias muito intensas que se abateram impiedosamente sobre vários nichos da economia chinesa. Neste momento, parece já termos entrado no que apelidamos de uma certa “calma após a tempestade”, com a economia chinesa a enveredar por um ciclo fiscal e monetário diferente do resto do mundo desenvolvido, com um regresso do apoio acomodatício e que terá efeitos benéficos sobre os ativos de risco da região, disse Ricardo Seabra, para quem os ativos agrícolas, como o trigo ou o café, podem igualmente continuar a ser interessantes como investimento, por estarem protegidos do risco de inflação. As economias emergentes como um todo voltaram a ser destacadas como tema de investimento potencial, em particular o Brasil não obstante os riscos de índole política omnipresentes.