A arruada final está feita, o último comício também, na Alfândega do Porto já se ouve Sérgio Godinho e já se arrumam as bandeiras coloridas do Bloco de Esquerda. O último dia de campanha do Bloco foi passado num num urgente apelo ao voto — “nada está escrito”, avisou Catarina Martins — com dois alvos: “a assombração” do centrão e o “Gasparzinho” André Ventura. E uma promessa: a de lutar por um acordo à esquerda, mesmo que o PS pareça “medroso e ambíguo”.
Na arruada da tarde pela rua de Santa Catarina, no Porto, onde se ouviam alguns dos cânticos preferidos do Bloco nesta campanha e que explicam bem ao que o partido vem (“Fascistas/racistas/Não passarão” é um exemplo), Catarina Martins chegou a ouvir algumas críticas à direita — “eu a esse Rui Rio nem o posso ver”, desabafava um homem à conversa com a líder do Bloco — e aproveitou para disparar: “O PS tem alimentado a ambiguidade e mesmo nos últimos dias diz que está a equacionar um acordo de cavalheiros com o PSD. Quem quer uma maioria à esquerda sabe que o voto é no Bloco, o voto que afasta a direita e constrói soluções, e é voto que derrota André Ventura. Aqui estou para as soluções já na segunda-feira”. Estavam resumidas as prioridades e as fasquias do Bloco nestas eleições, com uma promessa: “O que vai desempatar é o voto no BE”.
Mesmo que seja agitado o fantasma do bloco central, Catarina insistiu na lembrança da geringonça. “Lembro-me bem de que em 2015 também nos diziam que estava tudo decidido, e sabem que mais? Não estava. Vai ser o voto que vai impedir acordos de centrão e afastar a direita”.
O comício da noite serviria para reforçar exatamente a mesma mensagem e agitar os mesmos medos e alertas junto do eleitorado de esquerda. Por um lado, Catarina falou aos “esquecidos” a quem prometeu dedicar esta segunda semana, para frisar que são os mesmos que sofrem com as medidas que o PS recusou ou atrasou: “Pensionistas que não percebem corte duplo, quem não tivesse salário para pagar renda da casa, décadas de contratos precários, é por esta gente que nos apresentamos a eleições. É o vosso voto que desempata”. É, mais uma vez, a frase chave: o Bloco quer ficar em terceiro lugar nestas eleições para “desempatar” e obrigar o PS a virar à esquerda, recusando um possível bloco central ou uma governação voltada para a direita.
Acusando a direita de não querer falar do seu programa e de preferir aparecer “de forma mais bonacheirona, a falar dos gatos”, ou “moderninha”, rematou: “O plano é sempre o mesmo. A direita mantém o mesmo programa de retirar direitos mais básicos e desmantelar o Estado social. Mostraram o programa porque nós os obrigámos”. Depois, o tiro ao PS: “Sabemos que o centrão só trará problemas e nunca soluções”.
É por isso que o Bloco diz querer fazer a diferença, nas suas várias formulações: desempatar, virar o jogo, obrigar o PS a negociar na segunda-feira. Depois, o apelo ao voto, mais dramático do que nunca: “Nada está escrito. Apelo a que ninguém deixe de ir votar. O momento que Portugal está a viver não dispensa ninguém. Este é o momento da escolha”. Nesse apelo, incluiu especificamente as pessoas que estão isoladas, garantindo que votar será seguro. E também os jovens, a geração que “nasceu com direitos e não aceita voltar para trás, não aceita vozes obscurantistas que nos querem mandar para o passado”. Os tempos não estão para desvalorizar nenhum voto, vindo de nenhum lado.
Ainda com os olhos postos no alvo Ventura, Catarina aproveitou ainda para referir “um dos momentos mais emocionantes” que viveu na campanha, no dia em que foi ao bairro da Jamaica e conheceu a família Coxi, que lhe terá dito para “falar, sim” do processo que moveram (e ganharam) contra André Ventura. “É extraordinária a luta desta gente, que vive nas condições mais difíceis, faz omaior combate contra o racismo neste país”.
As restantes intervenções foram em grande parte dedicadas em malhar à direita e em Rui Rio, lembrando a memória dos seus tempos como autarca no Porto e aproveitando o comício na cidade. João Teixeira Lopes, que em 2017 se candidatou pelo BE à Câmara do Porto, comentou a “impressionante metamorfose de Rio em avô Cantigas”, acusando o líder do PSD de tentar fazer uma campanha a “vender gato por lebre” e a esconder-se sob a capa de uma figura simpática. “Não esquecemos o Rio dos despejos, os idosos postos fora de casa sem dó nem piedade, não esquecemos. O Rio que queria internar em instituições psiquiátricas os arrumadores porque tinha nojo deles”. Quanto a um possível acordo entre PS e PSD: “O eterno acordo de cavalheiros é o eterno problema deste país. O PS é medroso, vacilante, ambíguo, para quem o poder parece ser tudo. PS só decidirá pela esquerda se BE tiver força”.
Isabel Pires, terceira candidata pelo Porto, também lembrou o Rio do Porto, a que chama “a maior das assombrações”, que traz a reboque outra assombração — a IL — e outra que não passa de um Gasparzinho — o Chega. Rio, acusou, quer trazer “insensibilidade e preconceito” e “aplicar ao país a receita que aplicou a esta cidade”. “O Porto sabe quem é Rui Rio e não lhe dará uma oportunidade”.
José Soeiro, segundo candidato pelo Porto, falaria no mesmo sentido, criticando as “velhas ideias” da direita e do “extremismo conservador neoliberal”. “O 25 de Abril construiu-se contra isto, o SNS construiu-se contra isto”. Para terminar, mais um lembrete de que o BE está em disputa com o Chega um pouco por todo o país — é essa luta que vai determinar se o Bloco consegue ou não o objetivo de se segurar como terceira força política.