Charlotte Bellis vai voltar para casa. A jornalista neozelandesa grávida que pediu refúgio aos talibãs conseguiu uma vaga num dos locais de isolamento e quarentena definidos pelo governo da Nova Zelândia (MIQ, “Managed isolation and quarantine”) geridos pelos militares. Bellis continua a bater-se contra as medidas da Nova Zelândia, mas a própria tem sido alvo de críticas.

A jornalista, grávida de 25 semanas, tentou uma vaga de emergência no MIQ por razões médicas, por não ter no país onde se encontra condições para ter um parto seguro — tal como acontece com outras mulheres neozelandesas retidas em outros países sem conseguir voltar a casa. O pedido foi negado e foi-lhe oferecida uma vaga de emergência por se encontrar em perigo e a única opção ser o regresso à Nova Zelândia.

Governo da Nova Zelândia defende sistema de quarentena. Jornalista expõe dificuldade de outras grávidas em viajar

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Charlotte Bellis, que pediu refúgio aos talibãs depois de ser obrigada a deixar o Qatar (onde as relações sexuais fora do casamento são ilegais), diz que não se sente em perigo e não queria usar esse recurso para regressar ao país de origem, mas acabou por aceitar a oferta do governo neozelandês, como a própria revela na conta do Twitter.

“Estamos muito felizes por regressar a casa e estar rodeados da nossa família e amigos num momento tão especial”, escreveu, depois de revelar o pedido de emergência tinha sido reativado e que viajaria no início de março. “Infelizmente, a autorização não foi concedida com base nas necessidades médicas, mas pelo fator de risco da nossa localização.” Jim Huylebroek, pai da bebé, vai poder acompanhar Bellis.

A jornalista de 35 anos explica que o pedido com base na necessidade dos cuidados de saúde não foi acolhido, apesar das dezenas de documentos entregues, porque as autoridades consideraram que não foi fornecida informação sobre a necessidade de um tratamento com uma definição temporal crítica. “Infelizmente, o governo não entende que um parto não é um acontecimento marcado no tempo.” É também por isso que outras grávidas têm tido dificuldade em regressar ao país.

Desde 1 de junho de 2021 houve 219 pedidos de emergência ao MIQ relacionados com a gravidez, dos quais 29 foram aprovados, 65 rejeitadas e sete ainda estão a ser avaliadas, reporta o jornal New Zeland Herald. Os restantes 118 pedidos foram cancelados pelo próprio candidato ou não prosseguiram por estarem incompletos.

As medidas restritas de combate à pandemia de Covid-19, nomeadamente, a dificuldade em regressar ao país, têm sido alvo de críticas e a situação de Charlotte Bellis alimentou ainda mais a contestação.

Este caso, no entanto, tem outras polémicas associadas. A jornalista e o advogado que a representa pro-bono, Tudor Clee, estão a ponderar medidas legais contra o ministro responsável pela resposta à Covid-19, Chris Hipkins, depois de este ter revelado dados privados da jornalista em declarações públicas. A informação foi revelada sem autorização da mesma, que afirma inclusivamente que o que foi dito é falso, nomeadamente, que tenha procurado ajuda junto do consulado no Afeganistão.

Mas a própria Charlotte Bellis tem sido alvo de críticas, a começar pela ligação privilegiada com os talibãs, que lhe permite estar no Afeganistão de forma segura, quando a maioria das mulheres perdeu todos os direitos que tinham sido conquistados nos últimos 20 anos e as mães sozinhas são frequentemente obrigadas a abdicar dos filhos, destaca a BBC.

“Esta história é apenas uma continuação de como os não-afegãos são tratados de forma diferente pelos talibãs”, escreveu o jornalista austríaco-afegão Emran Feroz, no Twitter. “Os jornalistas vistos como afegãos enfrentaram frequentemente ameaças, espancamentos, torturas e assassinatos enquanto que os não-afegãos tinham montes de privilégios e eram acolhidos e bem tratados por todos os lados.”

Impedida de voltar a casa, devido à Covid, jornalista neozelandesa grávida pediu refúgio aos talibãs

Muzhgan Samarqandi, antiga emissora do Afeganistão, atualmente a viver na Nova Zelândia, também criticou Charlotte Bellis num artigo de opinião publicado no jornal neozelandês online Stuff. “Quando leio a carta de Charlotte e vejo as respostas nos jornais e redes sociais, vejo que a situação no meu país foi banalizada e isso deixa-me zangada.”

“A Charlotte diz que os talibãs lhe deram um porto seguro quando ela não é bem vinda no seu próprio país. Esta é, obviamente, uma boa manchete e uma boa forma de marcar uma posição. Mas é uma representação inexata e inútil da situação“, critica Muzhgan Samarqandi.

A afegã concorda que há problemas com o MIQ e que a Nova Zelândia não é um país perfeito — também ela foi alvo de racismo no país —, mas a situação é incomparável com o que se passa no Afeganistão. “As mulheres afegãs que resistem ou protestam contra o regime são presas, torturadas, violadas e mortas. As raparigas jovens têm de casar com os talibãs. A educação e o emprego já não estão disponíveis para elas.”