O norte-americano Timothy LeDuc é o primeiro atleta olímpico a assumir-se como não binário – termo utilizado para designar quem não se enquadra nos conceitos de homem nem de mulher. Aos 31 anos e depois de vencer o campeonato de patinagem artística dos EUA com Ashley Cain-Gribble, LeDuc vai competir para o ouro nos Jogos Olímpicos de Pequim, que têm a cerimónia de abertura marcada para esta sexta-feira.

Este marco não surpreende quem o acompanha de perto: em 2019, foi o primeiro atleta gay a vencer uma competição de patinagem artística de pares nos EUA. “Nós sempre estivemos aqui, sempre fizemos parte do desporto, Apenas nem sempre tivemos a oportunidade de nos abrirmos“, sublinhou à NBC Sports.

Se atualmente o diz de viva voz, o caminho não foi fácil. Ao podcast ““My New Favorite Olympian” do mesmo jornal, explicou: “Há quem não entenda [a minha situação] e quem me colocaria rapidamente de volta na caixa. Olham para mim e veem-me com barba e com as características físicas de um homem e pensam: “Tu és um homem. Age como um homem. O que estás a fazer?”

Os obstáculos começaram desde logo na família, que é evangélica, e vive em Cedar Rapids (Iowa). Contou aos pais que era gay quando tinha 18 anos, e ouviu uma resposta de desaprovação: “Nós amamos-te, mas temos de mudar-te”. Ia várias vezes por semana à igreja, frequentada por um núcleo conservador que o considerava uma “abominação”.

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Nesta altura, um familiar tentou exorcizá-lo: “Ele trouxe um grupo de amigos da igreja a casa, que tentaram expulsar os demónios que o meu corpo abrigava enquanto rezavam por todos os meus lados para remediar, chamemos-lhe assim, a minha atração por pessoa do mesmo sexo”.

Com o tempo, a família acabou por aceitar a sua orientação sexual. Em 2018, teve de voltar a sair do armário, para lhes dizer que era não binário. Aí, a reação foi completamente diferente: houve abraços, palavras de amor e agradecimentos por não lhes esconder a sua situação.

As rejeições não o acompanharam apenas na esfera familiar. Houve igualmente situações constrangedoras no seu percurso profissional: uma vez, um dos seus treinadores, antes do início de uma competição, puxou-o e disse-lhe: “Timothy, sai e mostra-lhes o quão masculino és. É assim que vais vencer”, recordou LeDuc.

A bonança chegou em 2016, quando encontrou Ashley Cain-Gribble, que o compreende e hoje são um par de patinagem artística conhecido pelo seu estilo pioneiro. Nesta modalidade, os atletas jogam com estereótipos românticos e de género, elucida Ashley, já que o “o homem é super masculino e forte” e a “mulher é uma florzinha fraca”.

LeDuc

Le Duc e Cain-Gribble venceram o Campeonato de Patinagem Artística dos EUA em janeiro. Agora vão representar o país nos Jogos Olímpicos de Pequim

Acrescenta ainda que o par “nunca” quis seguir a regra, realçando que não é preciso “mudar” para fazer o que se gosta: “Queremos dedicar as nossas atuações a quem sente que não pertence a lugar algum ou foi-lhes informado isso. Disseram-nos o mesmo”.

LeDuc não quer, contudo, que a sua prestação fique catalogada apenas por se ter assumido, mas sim encará-la como “uma grande oportunidade” para dar voz às pessoas não-binárias “que precisam de o mostrar de forma real e aberta”.