É um thriller? É. É comédia? É. É intencionalmente parvo? É. É só parvo? Também. “The Woman in the House Across the Street From the Girl in the Window”, assim se chama a nova série da Netflix, e o título denuncia logo o que isto é (ou pretende ser): uma paródia com referências àqueles filmes em que mulheres à janela (de casa, de um comboio, é escolher) assistem a homicídios. Assim muito resumidamente, “The Woman in the House Across the Street From the Girl in the Window” está para “A Mulher à Janela” e “A Rapariga no Comboio” como “Scary Movie — Um Susto de Filme” está para “Scream” e “Sei o Que Fizeste no Verão Passado”.
Anna (Kristen Bell) é a narradora e protagonista desta história. Vive num subúrbio aparentemente perfeito, ao estilo de “Donas de Casa Desesperadas”, mas tem no currículo um casamento que ruiu depois da morte trágica da filha. Os seus dias consistem em beber vinho tinto, misturar tudo com comprimidos e sentar-se num sofá a olhar para uma janela, de onde vê o que acontece na rua, incluindo a chegada do novo e sexy vizinho, Neil (Tom Riley). Anna começa a narrar com um péssimo sotaque britânico que rapidamente se revela ser uma das suas estranhas manias, diz ela. Na mesa ao lado do sofá está o livro que anda a ler, The Woman Across the Lake.
[o trailer de “The Woman in the House Across the Street From the Girl in the Window”:]
Tal como esta, a maioria das piadas são secas e nem sempre eficazes. Umas podiam ir mais longe: Anna era uma talentosa pintora de flores (sim, só e apenas isso) que deixou de produzir depois de perder a filha, mas os quadros expostos na sua sala são banais, nem bons, nem maus. Se fossem visivelmente maus, a piada teria funcionado. Outras vezes, a linha é ultrapassada: Elizabeth (Appy Pratt) morreu num dia em que foi para o trabalho com o pai, um psiquiatra do FBI que a deixou a sós com um serial killer. Podiam ter ficado por aqui, mas não: a miúda foi comida pelo psicopata aprendiz de Hannibal Lecter. Chamem-me careta, mas esta parte era desnecessária.
Voltemos a Anna que, para uma alcoólica, está muito bem: sempre com uma pele sedosa e um cabelo cheio de ondas dignas de um anúncio de uma qualquer marca de cosméticos. Há um copo de vinho sempre atrelado a uma das mãos. Nele cabe exatamente o conteúdo de uma garrafa inteira e a mulher bebe muitos copos por dia — agora façam as contas. Num desses dias vê na casa do vizinho sexy — que é viúvo, que conveniente, e tem uma filha que faz lembrar Elizabeth —, uma mulher — que é namorada do vizinho, que inconveniente — esvair-se em sangue. E Anna pode estar com os copos, mas não está cega. Liga para a polícia e depois pega nas perninhas para ir salvar a rival — sim, que Anna já estava a imaginar a vida perfeita com o bonitão do Neil. Só que na rua chove a potes e Anna sofre ombrofobia — exatamente o medo da chuva. Fica estatelada no chão até que alguém a carrega até casa, onde depois acorda rodeada pela polícia que lhe diz que não senhora, não há corpo, não há sangue, ela imaginou coisas.
E assim começa a saga de Sherlock Anna contra o mundo. Toda a gente acha que ela está louca, mas ela sabe que há-de haver provas que lhe deem razão e vai fazer tudo para descobri-las, desde invadir a casa do vizinho até criar um perfil de Instagram para seguir o bad boy que anda com Lisa (Shelley Hennig), a namorada do vizinho. Estão a seguir? É confuso, é, mas viciante, há que admitir.
Muitas vezes podemos dar por nós a pensar “isto é tão parvo” — como o talento de Neil para o ventriloquismo — mas vamos ficando até ao último dos oito episódios porque, caramba, ao menos queremos descobrir quem é o assassino (ou será que não há assassino nenhum e Anna imaginou tudo?). “The Woman in the House Across the Street From the Girl in the Window” nunca chega a ser daquelas coisas tão más, tão más que são boas, mas aqui e ali guarda uma ou outra boa gargalhada. Buell (Cameron Britton) é o faz-tudo que está a reparar a caixa do correio de Anna. Digo “está” porque o faz no primeiro episódio e continua no último — até percebermos que o homem foi contratado há dois anos e ainda não acabou o trabalho. Assim explicado não tem piada nenhuma, mas é o elemento mais hilariante da produção quando se descobre que Buell foi um antigo paciente do ex-marido de Anna. Paciente porquê? Porque matou a família inteira. Então, será que está ali por acaso? O drama, o horror.
Em muitos momentos há um cheirinho de “Aonde É Que Pára a Polícia”. A única diferença é que Leslie Nielsen sempre interpretou o seu detetive Frank Drebin a roçar o exagero ao estilo de “Malucos do Riso” (e funcionou) e Kristen Bell mantém-se demasiado séria durante toda a história. Se há caminho aberto para uma segunda temporada? Pode acontecer mas, só de pensar no título que se pode seguir, uma pessoa perde logo a vontade de falar no assunto. É que “The Woman in the House Across the Street From the Girl in the Window” já dá trabalho suficiente a escrever.