O laboratório criminal da polícia de São Francisco inseriu o ADN de potencialmente milhares de vítimas de agressão sexual ao longo de “muitos anos” num banco de dados utilizado para identificar suspeitos de crime, acusou esta segunda-feira o procurador distrital Chesa Boudin, noticia o San Francisco Chronicle. Se efetuado sem consentimento, é uma violação, entre outras, da Carta de Direitos das Vítimas da Califórnia, reforçou.

As violações e as agressões sexuais são violentas, desumanas e traumáticas. Estou perturbado pelas vítimas que têm a coragem de se submeter a um exame invasivo para ajudar a identificar os agressores e agora estão a ser tratadas como criminosas em vez de serem apoiadas”, sublinhou Boudin, num comunicado citado pela Associated Press. “Recolher evidências para usar contra as vítimas no futuro trata-as como provas, não como seres humanos”.

O seu gabinete soube da alegada prática na semana passada, após o ADN de uma mulher recolhido há anos num exame de violação a ligar a um crime recente contra uma propriedade. Não consegue, contudo, precisar o número de vezes que uma vítima de agressão sexual foi presa com base no próprio material genético.

O procurador distrital receia que esta situação desencoraje as vítimas de denunciar os crimes, os quais já são amplamente subnotificados nos EUA. Só 310 em cada mil agressões sexuais são relatadas à polícia, ou seja, mais de 2 em cada 3 vítimas não apresentam queixa.

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A minha principal preocupação e a do meu escritório é detetar e prevenir futuros crimes”, vincou Boudin ao mesmo jornal. “Nós queremos que São Francisco seja o mais seguro possível, [e] queremos que as sobreviventes de agressão sexual se sintam confortáveis e seguras para denunciar e cooperar com as autoridades”.

No Twitter escreveu ainda que estas ocorrências “magoam as sobreviventes”. “A segurança pública exige que apoiemos as sobreviventes de agressão sexual e acabemos com quaisquer práticas que as dissuadam de irem em frente”, lê-se ainda.

O chefe da polícia de São Francisco, Bill Scott, negou as acusações “preocupantes”, afirmando que a mulher pode ter sido identificada com base noutro banco de dados. Avançou, no entanto, que já ordenou “uma avaliação cuidadosa do assunto”.

Nunca devemos criar entraves às vítimas de crimes para cooperarem com a polícia, e se for verdade que o ADN recolhido de uma vítima de violação ou agressão sexual foi usado pelo SFPD [a sigla inglesa que se refere ao departamento policial de São Francisco] para identificar e prender essa pessoa como suspeita noutro crime, comprometo-me a acabar com a prática”, garantiu.

A supervisora ​​de São Francisco, Hillary Ronen, admitiu que tomou conhecimento da suposta prática este fim de semana. Pediu ainda ao gabinete do procurador da cidade para elaborar legislação que impeça que vestígios de ADN tenham qualquer outro fim além de investigar a violação em si.

Já o senador Scott Wiener referiu que os legisladores estão a tentar determinar se uma mudança na lei estadual é necessária para prevenir que um episódio destes se repita. “Conseguir um kit de violação pode ser traumatizante. Ter esse ADN colocado num banco de dados para uso futuro cria mais um incentivo para não o fazer. É inaceitável”, escreveu no Twitter.