Portugal não irá crescer se continuar a “exportar ‘mais do mesmo'”, dependendo a retoma económica de uma “nova vaga de investimento” em bens, serviços e conceitos “diversificados e inovadores”, conclui um estudo da Fundação Calouste Gulbenkian, divulgado esta sexta-feira.

“No horizonte 2030, o país não pode crescer mantendo o seu foco exclusivamente no que já se exporta — exportar “mais do mesmo”, mesmo quando o “mesmo” é melhorado — nem manter uma preferência por mercados europeus que, no conjunto, poderão vir a crescer muito pouco nas próximas décadas”, lê-se no trabalho, intitulado “Foresight Portugal2030”.

Segundo sustenta, “a retoma do crescimento terá, inexoravelmente, que assentar numa nova vaga de investimento na exportação de bens, serviços, conteúdos e conceitos, diversificados e inovadores“.

“Para ser sustentada, a retoma do crescimento — tendo em atenção o perfil demográfico previsível — tem de assentar num investimento que permita um aumento substancial da produtividade dos fatores (conhecimento/tecnologia, trabalho qualificado, capital e terra)”, refere. Ou seja, acrescenta, “para que haja crescimento da economia, é fundamental que as atividades mais presentes nos mercados externos sejam das que maior valor acrescentado geram”: “Essa é que é verdadeiramente a medida da competitividade. E a que estamos ainda longe de atingir”, considera.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Para a fundação, a retoma do crescimento da economia portuguesa na década de 2020-2030 exige, assim, “uma carteira de oferta externa mais diversificada e com maior valor acrescentado do que Portugal dispõe atualmente, carteira essa reposicionada em segmentos com forte procura nas economias desenvolvidas e menos exposta à concorrência das economias em desenvolvimento”. “Para tal, acrescenta, é fundamental um novo investimento empresarial e uma inovação tecnológica e organizativa continuadas”.

Da análise feita à evolução da especialização internacional da economia portuguesa antes da crise da Covid-19, a Gulbenkian assinala como pontos positivos a “dinâmica de inovação em produtos, processos produtivos e em modelos de negócio […] em “clusters” com longa tradição exportadora”, como a agricultura e agroalimentar, têxtil e vestuário, calçado, cerâmicas, madeira e mobiliário, mecânica ligeira.

Aponta ainda o “forte crescimento das exportações” dos “megaclusters” da construção metálica e da construção naval” e da mecânica, material elétrico e automação e robótica, a consolidação de um “cluster” automóvel e a “transformação do “megacluster” da construção, engenharia, obras públicas e imobiliário em polos dinâmicos de atração de poupanças e de capitais do exterior, num exportador de serviços de engenharia e gestão de obra e num prestador de serviços no exterior”.

Ainda referido como positivo é “o crescimento sustentado da exportação de serviços”, com destaque para o turismo, a formação de um “megacluster” de serviços às empresas prestados à distância e a “nova geração de centros de competência e de centros de engenharia pertencentes a empresas multinacionais, em vários casos associados a atividades industriais que já estavam implantadas em Portugal”.

No entanto, sustenta o trabalho, o facto é que “Portugal tem ainda hoje uma presença nos mercados internacionais muito vulnerável à concorrência das grandes economias emergentes e ao crescente número de economias em desenvolvimento”.

Num período de “relativo controlo da procura interna”, os autores do estudo avisam que a retoma do crescimento tem de ser “complementada pela atração de rendimento vindo do exterior, nomeadamente através da fixação de novos residentes vindos da Europa ou de outras origens, contribuindo para a dinamização dos bens (habitação) e serviços (de saúde e reabilitação, serviços pessoais, serviços de manutenção, etc.), com impacto positivo no emprego e na redução do “stock” de ativos imobiliários do sistema bancário”.

Apesar do caminho que o país ainda tem de percorrer, a Fundação Calouste Gulbenkian destaca o surgimento em Portugal, nos últimos anos, de “protoclusters” em áreas tecnológicas, que envolvem desde “startups” e pequenas e médias empresas (PME) a multinacionais e que se organizam “em torno de tecnologias e/ou funções que as distinguem de atividades já consolidadas e as vocacionam para a exploração dos mercados externos”.

Entre estes “protoclusters”, destaca as oportunidades de crescimento nas áreas dos serviços informáticos e de desenvolvimento de “software” e na exportação de “serviços tecnologicamente exigentes” gerados por multinacionais alemãs que instalaram em Portugal unidades de serviços para digitalização da mobilidade (como a Bosch, Daimler e BMW).

Aponta ainda o potencial da consolidação do “protocluster” aeronáutica, do início dos serviços espaciais a ocorrer nos Açores, da exportação de bens e serviços do “cluster” da saúde e da consolidação, no sul do país, do “protocluster” da química de especialidades, “que se está a constituir com participação de multinacionais e de empresas portuguesas”.