O Tribunal de Contas (TdC) alerta para a importância de se acautelar o risco decorrente do elevado nível de dívida pública e sugere que o Estado incorpore no reporte financeiro público mais informação completa sobre vários domínios.

“O elevado nível da dívida pública constitui um risco muito significativo para a sustentabilidade das finanças públicas“, refere o TdC, num documento intitulado “no início de uma nova legislatura: contributo para a melhoria da gestão pública e da sustentabilidade das finanças públicas”, divulgado esta sexta-feira.

Na análise, a instituição presidida por José Tavares assinala que “a equidade intergeracional passa por acautelar o risco decorrente do elevado nível de dívida pública”.

Para tal, recomenda que seja incorporado no reporte financeiro público informação completa sobre “o impacto dos apoios às empresas e às famílias sob a forma de garantias públicas, injeções de capital, empréstimos, aquisições de ativos ou assunções de dívida”, bem como “a análise de sensibilidade das contas públicas a alterações que venham a ocorrer nas políticas de taxa de juro e de aquisição de dívida pelo Eurosistema, que tem sido essencial para Portugal garantir o (re) financiamento” e “a ligação entre a execução orçamental do ano, a concretização do Plano de Recuperação e Resiliência [PRR]e os progressos em termos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, nomeadamente os definidos por Portugal como prioritários”.

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O TdC recomenda ainda a aceleração e priorização do definido pela Lei de Enquadramento Orçamental, bem como a implementação da Entidade Contabilística Estado, considerando “necessário” a informação completa sobre o património financeiro, imobiliário e a dívida pública.

A instituição que fiscaliza as contas públicas sugere também “uma melhoria da qualidade dos instrumentos orçamentais”, assim como a “preparação atempada da Conta consolidada do grupo público Estado – desenvolvimento do Sistema de Informação para a Gestão das Finanças Públicas (S3CP)” e a ponderação de um período transitório para a Conta Geral do Estado preparada em base de acréscimo.

A agilização do desenvolvimento do projeto “modelo de controlo interno e auditoria” e a adoção dos referenciais contabilísticos e a concretização da contabilidade na ótica do acréscimo/accrual e do processo de consolidação de contas é também apontada pelo TdC.

O TdC divulgou um conjunto de recomendações à Assembleia da República e ao Governo para “melhorias consistentes e sustentáveis para as finanças públicas e para a gestão pública em geral”.

“A definição e a fundamentação destas matérias têm por base a atividade do Tribunal no passado recente e, em especial, as conclusões e recomendações contidas nos seus pareceres, relatórios, acórdãos e sentenças”, escreve José Tavares, na nota introdutória.

As recomendações do TdC abrangem o enquadramento financeiro e orçamental e prestação de contas, as funções económicas, o desenvolvimento sustentável, a transição digital, a utilização dos fundos europeus, a contratação pública, a segurança nacional, a saúde, o trabalho e Segurança Social, a educação e ensino superior e a administração local.

TAP: Estado deve adotar “mecanismos adequados” de partilha de riscos

O Tribunal de Contas recomenda ainda que o Estado adote mecanismos de partilha de riscos, responsabilidades e benefícios com os parceiros privados no âmbito da participação do Estado em empresas de caráter estratégico, como é o caso da TAP.

A instituição presidida por José Tavares recomenda ainda o “maior acompanhamento e controlo para assegurar a necessária transparência sobre a sustentabilidade do negócio, incluindo, no respetivo plano estratégico, a informação adequada com a projeção suficiente, bem como análises de custo-benefício e de risco”.

“São conhecidos os problemas do sistema financeiro que levaram o Estado a intervir em diversas ocasiões e em várias instituições. As decisões de reprivatização e de recompra de certas empresas representam, igualmente, um risco para a sustentabilidade das finanças públicas, a par de outros, como os que se encontram associados a algumas parcerias público-privadas”, refere.

Recordando as conclusões das auditorias realizadas, a instituição que fiscaliza as contas públicas identifica riscos “significativos”, entre os quais o risco de insustentabilidade das finanças públicas, devido “aos custos decorrentes da inconsistência da participação do Estado em empresas estratégicas, como no caso da reprivatização e subsequente recompra da TAP”, bem como “ao impacto do financiamento do sistema financeiro através de despesa pública, como nas operações de resolução do BES e de venda do Novo Banco” e “aos custos potenciais de responsabilidades contingentes assumidas, como nas parcerias público-privadas e outras concessões, devido à insuficiente informação reportada”.

No âmbito do financiamento do sistema financeiro, o TdC recomenda a demonstração, verificação e validação apropriada dos valores a financiar, enquanto no âmbito das responsabilidades contingentes sugere uma avaliação do cumprimento das finalidades essenciais das parcerias.

O TdC recomenda ainda um “registo e comunicação periódica do ciclo de responsabilização por perdas cobertas pelo financiamento público” para reduzir o risco de instabilidade do sistema financeiro, assim como um modelo de governo da Autoridade Nacional de Resolução, que previna os conflitos de interesses e a aplicação do princípio da segregação de funções a fim de corrigir e prevenir situações de complacência e de conflitos de interesses.

No que toca ao risco de inoperacionalidade de infraestruturas e transportes recomenda uma melhoria do estado de conservação das infraestruturas e transportes, um sistema de gestão do universo das infraestruturas com informação periódica sobre o seu estado e inspeção e a criação e divulgação periódica de matrizes de risco setoriais.

Para evitar o risco de ineficácia da reação ao impacto adverso da pandemia no setor da habitação e na área económica recomenda ainda “a determinação rigorosa das necessidades”, a “integração das medidas no respetivo programa orçamental”, o “reporte integral, fiável e consistente da informação” e a “execução tempestiva, monitorização e controlo adequados”.

Tribunal de Contas recomenda recapitalização do SNS na nova legislatura

Entre as recomendações inclui-se, no domínio da saúde, a recapitalização do Serviço Nacional de Saúde (SNS), “face à debilidade da sua situação económico-financeira“, já anteriormente apontada pelo TdC.

A instituição recorda as “limitações que ainda existem no acesso ao SNS” e volta a recomendar a “ampliação dos indicadores de desempenho e realização de inquéritos de satisfação aos utentes”, bem como a “implementação dos mecanismos de governação instituídos, designadamente através da efetiva aplicação do normativo contabilístico”.

No que toca aos fundos europeus, volta a alertar para a sua “lenta absorção” e para os “significativos riscos ao longo do processo de utilização”, ainda que se tenham registado “progressos no âmbito da estratégia Europa 2020, embora com fragilidades sobre a fiabilidade da informação”.