“O treinador abusou de nós”. A capa do jornal Marca, esta terça-feira, não precisa de grandes explicações. Nelia del Campo Díaz e Sofía Giménez Herrera aparecem a conversar, junto a uma janela, com uma tranquilidade que contrasta com a frase escrita a letras brancas e quase garrafais. Nelia e Sofía, que não chegam a ter 30 anos, são as protagonistas do escândalo que rebentou em Espanha: são duas de dezenas de raparigas abusadas sexualmente durante anos a fio pelo treinador da equipa de futsal em que jogavam.

“Eu não tinha consciência do que se estava a passar, sou sincera”, começa por explicar Nelia, que recorda que o treinador era “o homem perfeito”, adorado por todos. “Só tive essa consciência anos depois. Devia ter uns 15 anos quando tudo começou, só me apercebi aos 18. Digamos que foi tudo muito subtil. Não sei se era uma estratégia, não sei o que é que lhe passava pela cabeça. Quando te davas conta daquilo que íamos vivendo… Creio que, mesmo atualmente, continuo sem ter consciência nem de metade das coisas”, acrescenta, entrando depois em alguns detalhes. “No meu caso, era sobretudo a partir das massagens. Doía-te uma perna ou estavas magoada e era ele que te tocava. Percebi tudo quando fui a um fisioterapeuta e os toques não eram os mesmos. A minha cabeça explodiu aí”, lembra.

Tudo aconteceu no Grucer, um clube de futsal, há mais de uma década. Nelia tinha “14 ou 15 anos”, Sofía tinha “11 ou 12”. “No meu caso, reconheci o abuso quando tocou nas minhas partes íntimas. Aí, sim. É um sítio onde só queres que te toque quem tu queres. Foi o ponto final, foi quando pensei que tinha de fazer alguma coisa. Anos mais tarde, apercebi-me de outros toques, quando se sentava ao meu lado e punha a mão enquanto eu fazia abdominais. E isso fazia à frente de toda a gente, não se escondia, era descarado…”, diz Sofía.

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Esta foi a primeira vez que Nelia e Sofía, quase em representação de todas as outras raparigas da equipa, expuseram o caso num meio de comunicação social. Ao longo dos anos, a situação foi piorando — até porque o treinador em questão acabou também por orientar a seleção de Madrid, onde ambas jogavam. “Ficava sempre surpreendida porque, quando viajávamos e ficávamos em hotéis, ficava com uma cópia da chave do quarto quando nos davam duas. Durante a noite, andava a bater às portas. Chamavam-lhe ‘o homem do pijama às riscas’ porque era assim que o viam a andar de quarto em quarto”, indica Nelia.

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O caso, porém, está resolvido: existiram várias denúncias, uma detenção, um julgamento, uma sentença e uma pena de prisão que ainda está a ser cumprida pelo treinador em questão. As ondas de choque, contudo, permanecem. Se Sofía continua a jogar futsal, representando o Teldeportivo, Nelia deixou o desporto por completo há já vários anos. “Continuei a jogar até que cheguei a um momento em que a minha cabeça me disse para parar. Tinha de me concentrar em mim porque, naquele tempo todo, tinham acontecido coisas muito graves. Não me estava a fazer bem, não estava feliz e deixei para estar comigo mesma e por necessitar do tempo a que não me tinha permitido nos anos anteriores”, explica a espanhola.