Há 25 anos, um marco colossal ou assustador (dependendo da perspetiva) transformou a genética a nível mundial. Apesar de ter nascido a 5 de julho de 1996, os cientistas, entre eles Keith Campbell e Ian Wilmut, só apresentaram a ovelha Dolly ao mundo a 22 de fevereiro de 1997, condenando-a a ser títulos de inúmeras notícias científicas — ainda hoje vale referências em artigos sobre marcos científicos inéditos.

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Por que razão ficou para a história? Não, esta celebridade de quatro patas não era o primeiro animal a ser clonado (essa fama pertence a uma outra ovelha, clonada a partir de uma célula embrionária em 1984). Dolly provou, sim, que era possível fazer alterações genéticas precisas em gado.

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Nasceu, fruto do trabalho do Instituto Roslin (Escócia), através da transferência nuclear de uma célula mamária adulta de uma ovelha com seis anos, e a mesma foi introduzida numa outra sem núcleo, resultando num embrião que foi posteriormente implantado numa “ovelha de aluguer”.

O nome experimental “cordeiro n.º 6LL3” não convenceu os embriologistas e aquela estranha forma de vida acabou batizada em homenagem à cantora de música country Dolly Parton, confirmou o “pai” Wilmut, numa entrevista ao Observador em 2017. “There’s no such thing as baaaad publicity”, terá dito o agente de Dolly Parton quando questionado sobre o que pensava da ideia. (“Não existe mááááá publicidade!”, com enfâse no som “baaaaad” que lembra o balido de uma ovelha.)

Ian Wilmut, o ‘pai’ da ovelha Dolly: “A clonagem não funciona bem em humanos”

“A clonagem não funciona bem em humanos”, sublinhou o cientista na mesma entrevista. A razão? Admitiu não querer provocar “algum desconforto” às mulheres que teriam de passar pelo processo equivalente ao da fertilização in vitro para doarem alguns dos seus óvulos (e, por esta mesma razão, mudou para a área da medicina regenerativa).

Antes de proferir as referidas palavras, por momentos, a típica fecundação (entre um óvulo e um espermatozoide) foi abafada pelo acontecimento que espoletou nos homens o medo de serem reproduzidos, com alguns a prever e a temer o eugenismo, não tendo faltado referências ao nazismo. Como reação aos receios, algumas entidades viram-se obrigadas a tomar medidas: em 1997, o então Presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, proibiu a utilização de fundos federais para a clonagem humana e o Conselho da Europa adotou um protocolo a proibir esta técnica em seres humanos.

Depois do choque e do ceticismo, levantou-se o véu aos novos possíveis caminhos na biologia e na medicina, ciências que podiam percorrer percursos inéditos, entre muitos, na regeneração de tecidos e órgãos, inclusive para a cura de determinadas doenças.

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Problemas de robustez entre outras razões condenaram Dolly à eutanásia a 14 de fevereiro de 2003, quando tinha seis anos (a mesma idade da mãe genética quando lhe foi retirada a célula mamária) e tinha já contraído uma infeção pulmonar incurável.

Com um ano de idade, contudo, as suas análises ao ADN revelaram sinais de um envelhecimento precoce, designadamente os seus telómeros — as extremidades dos cromossomas, que protegem as moléculas do ADN e cujo comprimento está relacionado com a idade — eram mais curtos do que seria expectável para uma ovelha da mesma idade.

Desde então, surgiram novos progressos e um passo importante foi dado em 2018: cientistas chineses clonaram macacos pela primeira vez, com a mesma técnica usada na ovelha Dolly.

Cientistas chineses clonaram macacos pela primeira vez. Aberto caminho para curar doenças em humanos