Construída no início do século XX, a casa no número 582 da rua Roberto Ivens, em Matosinhos, é um típico exemplo de uma morada burguesa portuense. Esta foi a residência da família de Álvaro Siza Vieira entre 1949 e 2000, tendo sido recuperada pelo próprio, a pedido do pai, em 1961. Com 84 metros quadrados, três pisos, quatro quartos e um jardim nas traseiras, em 2007 a autarquia de Matosinhos adquire o imóvel, que agora passa a ser explorado pela Casa da Arquitetura para receber residências artísticas, a partir de abril.

“Não cheguei a viver nesta casa, porque me casei e fui morar para o Porto, mas guardo boas memórias da minha juventude aqui, vinha cá todas as semanas”, começa por dizer o Ptizker, que fez neste jardim a sua primeira obra com apenas 13 anos, ainda longe de imaginar que um dia iria ser arquiteto. Trata-se de um pavilhão com nove metros quadrados que o pai lhe encomendou.

“A casa era pequena, éramos cinco filhos e faltava espaço para os rapazes trabalharem. Este pavilhão lastimável que está la fora, e que não quiseram demolir, fi-lo quando tinha 13 ou 14 anos. Um dia o meu pai disse-me para fazer um desenho, uma coisa simples, para que eu pudesse desenhar e o meu irmão, que estava a estudar engenharia química, tivesse um pequeno laboratório onde pudesse fazer experiências. Depois ainda me disse para fazer umas consolas em cimento para colocar uns vasos e ficar mais bonito, foi literalmente a minha primeira obra.

A casa da família Siza Vieira tem três pisos, quatro quartos e tem capacidade para cinco pessoas

O pequeno pavilhão que fez “ainda criança” pode ter tido influência mais tarde na sua opção profissional. “Hoje teria feito tudo diferente. Servi o propósito do meu pai, estou arrependido, mas não é dramático.” Siza recorda que foi devido ao nascimento da sua irmã mais nova, Teresa, que os pais procuraram uma casa maior e depois da sua mãe morrer, em 2006, o seu destino era uma incógnita. “O meu irmão foi para Santo Tirso, a minha irmã mora em Brito Capelo e eu no Porto, esta casa ficaria eventualmente abandonada ou era vendida a alguém com uma grande probabilidade de ser completamente atrocidade. Esta solução é muito boa.”

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Recuperar parece ser a palavra de ordem na vida do arquiteto nos últimos anos. “Na minha vida profissional recente, o que mais tenho feito são recuperações e recuperações de obras que fiz quando tinha 21 ou 25 anos. Já estou cansado disso, embora reconheça que é bom. É bom que haja recuperação, mas também é bom que existam edifícios novos, coisa que não tenho feito cá, apenas na China e na Coreia, o que me faz pensar que para Portugal envelheci mal porque há uma suspeição de que se fizer alguma coisa de novo vou estragar.”

Depois de em 2009 a casa ter sido novamente recuperada pelo próprio, recentemente isso voltou a acontecer, desta vez por iniciativa da Câmara Municipal de Matosinhos, que contou com o envolvimento do arquiteto numa obra minuciosa que durou um ano e meio e custou 300 mil euros. “A obra de reabilitação atrasou um pouco porque foi feita em plena pandemia e não havia materiais. Respeitamos na íntegra a versão original da casa que agora passará a ser explorada pela Casa da Arquitetura para residências artísticas”, sublinha Luísa Salgueiro, autarca de Matosinhos.

Pincelada em tons de branco e verde, e recheada com vários tipos de madeira, tanto no soalho como no mobiliário, a casa da família Siza Vieira, que em tempos foi a primeira sede da Casa da Arquitetura, será devidamente decorada com esboços e retratos de família para a partir de abril receber arquitetos, curadores, investigadores e estudantes que venham a Matosinhos trabalhar nos acervos e nas exposições da Casa da Arquitetura. “Será uma casa aberta à cidade, ao país e ao mundo, servindo a arte a cultura, e que irá proporcionar uma experiência absolutamente única a todos os que cá passarem”, enfatiza José Manuel Dias Fonseca, presidente da Casa da Arquitetura.