“Cyrano”

Adaptação ao cinema do musical homónimo baseado na peça “Cyrano de Bergerac”, de Edmond Rostand, este filme de Joe Wright é mais um atentado contra uma obra literária clássica, em nome das “releituras” e da “inclusão”. E neste caso, não é só a peça em si que é deturpada, como também o seu herói, já que Cyrano de Bergerac não é uma mera personagem de ficção, pois viveu, escreveu e entrou em duelos na França do século XVII, sendo o autor, entre outros, de uma “Viagem à Lua” que é um dos títulos pioneiros da ficção científica. Neste piroso e medíocre musical, que nem tem sequer uma canção digna desse nome, Cyrano é agora um anão (Peter Dinklage, de “A Guerra dos Tronos”), um perfeito absurdo que esvazia a personagem e a história de todo o seu sentido, razão de ser dramática e credibilidade. Já vale absolutamente tudo na Broadway e em Hollywood.

“Noite Incerta”

Cruzando o documentário e a ficção, usando imagens de vários tipos e proveniências, e formatos como os 8 e os 16mm, a indiana Payal Kapadia constrói um filme que tem como ponto de partida uma caixa (fictícia) encontrada num cacifo do Instituto de Cinema e Televisão da Índia, contendo bobinas e cartas de uma estudante não identificada para o namorado, cujos pais o proibiram de a ver mais, por ser de uma casta inferior à dele. “Noite Incerta” dispara contra muitos alvos, desde o ancestral problema das castas e dos intocáveis na Índia ao atual governo do primeiro-ministro Narendra Modi, e destaca os protestos dos estudantes daquela instituição contra a nomeação, para seu diretor, em 2015, de um ator ligado ao partido no poder, e a repressão que se seguiu. Embora formalmente inventiva, a fita acaba por se repetir e atolar na “agit-prop” extremista.

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“Belfast”

Neste filme sentidamente autobiográfico, Kenneth Branagh evoca a sua infância de filho de uma família protestante a viver num bairro social maioritariamente católico de Belfast, na Irlanda do Norte, em 1969, mesmo no início dos confrontos entre estas duas fações. A história é contada do ponto de vista do “alter ego” do realizador, Buddy (Jude Hill), um menino de nove anos que, entre o espanto e o medo, vê eclodir os conflitos sectários e testemunha o seu efeito na vida da família, já de si afectada por uma periclitante situação financeira que causa fricções entre a mãe e o pai, obrigado a ausentar-se durante longos períodos para ir trabalhar em Inglaterra. Também com Jamie Dornan, Caitríona Balfe, Ciaran Hinds e Judi Dench. Candidato a sete Óscares, “Belfast” foi escolhido como filme da semana pelo Observador e pode ler a crítica aqui.