Uma montanha escalada, duas montanhas escaladas, três montanhas escaladas – e com uns balões extra de oxigénio a dar motivação para escalar ainda mais montanhas dentro de um calendário competitivo rigoroso e sem margem sequer para parar e respirar fundo. Depois do eletrizante clássico com o Sporting no Dragão e tudo aquilo que se seguiu após o apito final e nos dias seguintes, o FC Porto foi superando autênticas provas de superação que permitiram não só voltar aos triunfos no Campeonato mas também chegar aos oitavos da Liga Europa. Foi assim em casa com a Lazio, foi assim em Moreira de Cónegos, foi assim em Roma. Seguia-se o surpreendente Gil Vicente no regresso ao Dragão e com uma motivação extra de poder mesmo aumentar a atual diferença em relação ao segundo classificado depois do empate dos leões na Madeira, com o Marítimo. E, não sendo uma vantagem decisiva por haver dez encontros por disputar, era o passe do “xeque”.

“Taça e Liga Europa? Não, este é o jogo mais importante. Permite-nos continuar com a mesma distância para o segundo lugar, pelo menos, e é uma batalha importante porque à medida que vamos caminhando para o fim os jogos têm o seu peso. O principal objetivo é ganhar o Campeonato. As outras provas, a Taça de Portugal e a Liga Europa, são jogos que vamos querer ganhar e vamos dar tudo para isso mas a nossa final e a principal é amanhã [domingo] contra o Gil Vicente. Não há jogos fáceis. O Gil atravessa um bom momento. As equipas lutam por algo e não podemos esquecer que o Gil está a quatro pontos do Sp. Braga, querem fazer história esta época. Vamos deparar-nos com algumas dificuldades tal como eles também vão perante um FC Porto que quer muito ser campeão nacional”, tinha comentado Sérgio Conceição ainda antes do deslize dos verde e brancos na Madeira, relativizando também o desgaste físico da grande densidade competitiva.

“Preocupam-me os jogadores nesse tal plano físico. Há jogadores que saem não só com alguma fadiga mas há também jogadores tocados. O tempo de recuperação é muito curto. Um jogador que esteja tocado, que se calhar depois de três dias está bem para jogar ou competir, neste caso é mais difícil. No plano emocional só temos de estar no máximo, olhando para a nossa época, ao eliminar uma equipa como a Lazio. Olhando para o panorama mundial, é melhor ainda. Isto não tem de servir de consolo mas, olhando para a Ucrânia, aí é que as pessoas estão devastadas. Só temos de estar bem. Estamos a fazer aquilo que gostamos. Estamos aqui num cantinho, por enquanto, em paz. Quando me falam do plano emocional, ligo a televisão para perceber que temos de estar tristes, por um lado, e muito felizes por aquilo que fazemos e da forma como fazemos. Convivemos com isto com uma tristeza profunda e olhamos para um jogo de futebol que fica reduzido a muito pouco”, assinalou, comentando o tema que marca a atualidade nos últimos quatro dias.

Em paralelo, e entre tudo aquilo que o encontro poderia comportar, o técnico dos azuis e brancos, que não podia contar com o castigado Pepe e que tinha outros jogadores condicionados por questões físicas como Bruno Costa e João Mário, iria também tornar-se o segundo treinador de sempre com mais jogos pelos azuis e brancos, superando os 255 de Artur Jorge e ficando apenas atrás dos 312 de José Maria Pedroto. “Sinto que o presidente deve ter um aplauso bem forte da minha parte porque teve paciência para me aturar este tempo todo. Não é fácil. Só isso”, referira, mantendo o registo que tem marcado os discursos ao longo da temporada de que este tipo de registos históricos só fazem sentido acompanhados com títulos.

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O técnico até pode manter esse discurso mais contido e ponderado, ou não tivesse nos últimos anos sentido a experiência do que é desperdiçar e recuperar avanços de sete pontos no Campeonato. No entanto, entre todas as mensagens de apoio à Ucrânia perante a invasão da Rússia e os pedidos para que a guerra acabe, notava-se nas bancadas toda a confiança reforçada pelo empate do Sporting na Madeira. Quase de forma inconsciente, era quase o jogo do “xeque” ao título num momento carregado de emoção por tudo o que se tem acontecido na Ucrânia e que não passa ao lado de ninguém. Até o hino e as músicas dos azuis e brancos que antecedem foram entoadas de outra forma. No entanto, faltavam 90 minutos de jogo. Que não foram fáceis. E que mostraram um ponto importante: esta é uma era marcada pelos heróis sem nome e foi isso que o modesto Gil Vicente mostrou no Dragão mesmo com menos um durante todo o jogo, com uma exibição fantástica em termos coletivos que bloqueou um FC Porto que deixou o encontro andar e chocou depois com os ferros, perdendo com surpresa uma oportunidade de ouro para dar um passo quase decisivo nas contas do título.

O encontro conheceu uma história alternativa ainda antes de se ver a história principal. O Gil Vicente até teve o pormenor que trocar as voltas aos azuis e brancos, colocando os visitados a jogarem para a baliza Sul na primeira parte, e teve uma primeira posse onde mostrou ao que vinha fazendo circular com confiança a bola por todos os jogadores e corredores mas um passe de Rúben Fernandes que foi cortado em frente por Fábio Cardoso, um toque com classe de Pepê por cima de um adversário e uma assistência de Taremi colocaram Evanilson a seguir em direção da baliza até ser carregado por Vítor Carvalho já perto do limite da área, o que valeu uma expulsão com vermelho direto logo no segundo minuto (e até aos 20′ essa foi a única falta que o encontro teve). Um rude golpe para a estratégia dos minhotos, que surgiam com a sua habitual predisposição para jogar mas que perdiam um elemento vital para o equilíbrio no corredor central.

Os minutos seguintes foram marcados pela autêntica enxurrada ofensiva dos azuis e brancos. A ganhar vários cantos, a ter aproximações com algum perigo, a subir linhas percebendo a incapacidade de saída dos gilistas que estavam ainda presos no tempo entre a possibilidade de equilibrar a equipa com os dez elementos em campo ou a necessidade de mexer mais cedo. No entanto, e a nível de oportunidades, nem uma. E os minutos deram outra confiança a um Gil Vicente que teve até o remate mais perigoso na meia hora inicial da partida por Fujimoto, num tiro rasteiro que saiu perto do poste. Mesmo num contexto altamente favorável, Sérgio Conceição mostrava alguns sinais de impaciência que de quando em vez se alastravam às bancadas.

Foi por isso que o técnico não esperou e abdicou do estreante Eustáquio para dar lugar a Galeno, tentando dar mais largura ao jogo ofensivo para a partir daí criar outros espaços e desequilíbrios nos visitantes sem bola. Zonas como aquela que Otávio aproveitou na sequência de um lançamento de Zaidu para tentar a meia distância que saiu por cima (35′). No entanto, e em mais uma boa saída sempre com movimentos verticais que começavam sempre no “salto” da barreira de pressão no corredor central, foi o Gil Vicente a criar de novo sensação de perigo perto da baliza de Diogo Costa num cruzamento/remate de Samuel Lino que saiu ao lado sem que Fran Navarro conseguisse o desvio (37′). Evanilson ainda teve uma tentativa em que escorregou na hora da verdade mas eram os visitantes que davam nas vistas pela capacidade de aguentarem da melhor forma o jogo, tendo Zé Carlos, Rúben Fernandes, Pedrinho e Samuel Lino em destaque, os tais heróis que alguns podem não conhecer tanto mas que voltaram a mostrar ter qualidade para muito mais.

Nos seis jogos em que saiu empatado ao intervalo no Dragão, o FC Porto tinha sempre conseguido ganhar e a entrada a todo o gás que os azuis e brancos conseguiram ter também ajuda a explicar isso mesmo: Pepê teve uma bola perdida no primeiro terço pelos minhotos para arriscar o remate rasteiro descaído sobre a direita que acertou no poste (47′); Taremi não conseguiu aproveitar um erro de Andrew após cruzamento de João Mário e atirou às malhas laterais (50′); e Vitinha, que em menos de uma hora já ia nas 12 recuperações de bola, arriscou um tiro de ressaca à entrada da área para grande defesa de Andrew (60′). O golo parecia algo inevitável mas surgiu na baliza contrária com o Gil Vicente a ter mais uma grande saída pela esquerda, Samuel Lino a assistir Fran Navarro e o espanhol a ter um grande trabalho para fazer o 1-0, passando a ser também um herói na história dos minhotos pelos 13 golos que já leva no Campeonato (62′).

Se era o nulo era uma surpresa, a vantagem dos visitantes ainda mais. No entanto, e num dos poucos erros que surgiu na pior altura, o Gil Vicente ficou apenas quatro minutos na frente: Otávio fez o cruzamento mais largo para o segundo poste, Andrew ficou a meio caminho da viagem, Taremi assistiu de cabeça para o lado contrário e Evanilson só teve de encostar na pequena área para o 1-1 (66′). Sérgio Conceição arriscou depois tudo com as entradas de Francisco Conceição, Fábio Vieira, Wendell e Toni Martínez mas, no meio da falta de discernimento com o passar dos minutos, chocou depois com os postes, com um cabeceamento de Francisco Conceição na trave (83′) e outro desvio de Taremi na área que foi também à trave (90+7′).