O campeão europeu de 2021 contra o campeão europeu de 2019. O campeão inglês de 2017 contra o campeão inglês de 2020. Os dois conjuntos que sonham ainda ser campeões tirando o título ao Manchester City. Que tinham ambições no segundo troféu inglês da temporada depois da conquista da Supertaça pelo Leicester (e sem contar com o Mundial de Clubes dos blues frente ao Palmeiras). Era um jogo de futebol, onde se falaria apenas de futebol. Um hino ao futebol, onde se jogaria apenas futebol. Mas não, não foi apenas isso. E foram os próprios intervenientes a assumir que o atual contexto geopolítico e a invasão da Rússia à Ucrânia, mesmo a milhares de quilómetros do Reino Unido e de Londres, teve influência na preparação do encontro.

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“Se o jogo pode ser quase uma distração perante o que se está a passar? Sim, é possível mas ainda assim é algo muito próximo, muito fresco, talvez ainda tenho um peso mau na consciência. Será que devemos fazer uma festa total em caso de vitória? Será algo inapropriado? É assim que me sinto, com sentimentos mistos porque tudo isto tem poucos dias”, assumiu Thomas Tuchel, treinador do Chelsea. “Sei que às vezes estas situações podem ser usadas pelos treinadores com as equipas. Neste caso, é demasiado grande. Se ajudasse alguma coisa na guerra, ficaria feliz de perder o jogo. Nasci numa Europa em paz, só vivi numa Europa em paz e tomei isso por certo. De tempos em tempos temos um choque brutal com a realidade mas sentimentos sempre que é longe. Agora não, é a experiência de uma vida: temos uma guerra na Europa. É uma situação horrível, que ninguém queria experimentar”, acrescentou o técnico alemão dos blues.

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Por ser propriedade de um russo (que tem também nacionalidade portuguesa), o Chelsea esteve em foco nos últimos dias apesar das duas mensagens deixadas de apoio a todos os ucranianos. Em paralelo, Abramovich, tido como alguém próximo do líder Vladimir putin, decidiu passar a liderança do clube aos administradores da Fundação: “Sempre tomei decisões tendo em mente os superiores interesses do clube. Continuo comprometido com esses valores. É por isso que agora confio aos curadores da Fundação a administração e os cuidados do Chelsea. Durante os meus quase 20 anos de propriedade do Chelsea, sempre considerei o meu papel como responsável do clube, cujo trabalho é garantir que sejamos tão bem sucedidos quanto podemos ser hoje, bem como construir o futuro enquanto desempenhamos um papel positivo na comunidade”.

“Sei que já perdi duas vezes em Wembley e é por isso também que se diz que à terceira é de vez”, começou por dizer Jürgen Klopp, que ainda antes da final tinha também explicado que não entraria de fato como é normal nas finais da Taça da Liga não por uma questão de superstição. “Sabemos que neste fase toda a gente está muito satisfeita com a nossa equipa mas, daqui a 20 anos, se quisermos falar desta equipa, não será uma surpresa saber que as pessoas diriam ‘Sim, é uma boa equipa mas devia ter ganho mais’. É por isso que nós queremos ganhar mais, é por isso que temos de ganhar mais”, destacou o também técnico alemão numa semana também marcada pelo que se passa na Ucrânia e pela solidariedade expressa pelo clube e pelos seus adeptos desde mensagens a colocações das cores azul e amarela projetadas em Anfield.

De forma inevitável, os minutos que antecederam a partida foram marcados pela posição geral de todos em relação ao que se passa no leste europeu: uma bandeira ucraniana nos ecrãs gigantes com o futebol a pedir a paz, dezenas e dezenas de bandeiras ucranianas nas bancadas em solidariedade com aqueles que sofrem com a guerra. O “You’re Never Walk Alone” era bem mais do que uma música de apoio a uma camisola, a um clube, a uma cidade. E as imagens fortes sucediam-se, com os 22 titulares a juntarem-se numa imagem com duas coroas de flores com as cores da bandeira da Ucrânia. O futebol estava mesmo junto como se podia ler com grande destaque nas duas bancadas atrás das balizas pelos 80.000 que voltaram a encher o Wembley.

A bola rolava mas nem por isso as lágrimas desapareciam. E a primeira imagem antes do apito inicial foi de lágrimas com Thiago Alcântara, que estava inicialmente escalado na equipa de Jürgen Klopp mas que teve um problema físico no aquecimento que levou a uma troca com Naby Keita, a ser consolado por Alisson. Até o facto de ser uma final não mexeu também na opção para a baliza, com Kelleher a ser titular e a brilhar logo aos seis minutos numa jogada em que Pulisic apareceu a desviar ao primeiro poste um cruzamento da direita de Azpilicueta que poderia ter feito o 1-0. Os blues entraram melhor, viram o irlandês brilhar entre os postes e mostravam mais argumentos nas saídas rápidas para chegarem com perigo ao último terço contrário mas com o passar dos minutos o Liverpool foi equilibrando os pratos da balança e assumir o jogo, vendo Mendy fazer duas defesas inacreditáveis a remate de Naby Keita e à recarga de Sadio Mané (30′).

Os períodos de superioridade alternavam e seria o Chelsea de novo a acabar da melhor forma, com um tiro de longe muito perto da trave de Azpilicueta e uma bola a rasar o poste de Mason Mount em mais uma grande combinação que teve Havertz como referência. A primeira parte acabou assim, o segundo tempo começou da melhor forma e com o perigo a ser ainda maior na área do Liverpool, com o mesmo Mount a surgir isolado de novo entre os centrais contrários para rematar rasteiro ao poste logo a abrir antes de Luis Díaz voltar a criar perigo pela esquerda entre o lateral e Chalobah para uma tentativa desviada para canto. O jogo podia cair para qualquer um dos lados já com Reece James em campo, por lesão de Azpilicueta (56′), e com os blues a serem bem mais pragmáticos nas transições com mais um remate perigoso de Mount (61′).

Nem mesmo Salah isolado, na sequência de um erro na saída de bola dos londrinos, conseguiu desfazer o nulo numa bola que foi picada por cima de Mendy mas cortada por Thiago Silva quando se preparava para passar a linha (64′). E até mesmo quando foi golo o mesmo foi anulado, com o VAR e depois o árbitro a assinalarem um fora de jogo a Van Dijk que bloqueou Reece James antes da assistência de Mané para Matip num livre lateral batido por Alexander-Arnold (67′). Mendy voltou a brilhar num remate na área de Luis Díaz lançado em profundidade (75′), Havertz também marcou num lance invalidado por fora de jogo (77′), o colombiano voltou a obrigar o senegalês a mais uma intervenção apertada após canto (85′) mas a bola parecia não querer mesmo entrar já com Diogo Jota em campo, rendendo no ataque Sadio Mané e nem no período de descontos a história foi diferente, com outra defesa fantástica de Mendy a remate de Van Dijk e mais uma excelente intervenção de Kelleher com o pé num desvio ao primeiro poste de Romelu Lukaku.

O prolongamento era inevitável, com a parte física a dar já alguns sinais mas as tentativas à baliza quando possível continuavam até mais um golo anulado, neste caso a Lukaku em mais uma daquelas investidas em que se torna quase imparável mas que começou com posição irregular e a Havertz, já aos 110′, também por posição irregular antes de receber para o remate cruzado. Um encontro fabuloso durante duas horas só não teve mesmo golos e a decisão foi mesmo para as grandes penalidades já com o inevitável Kepa em campo. E se durante o jogo nenhuma bola quis entrar (pelo menos as que estavam em posição legal), no desempate ninguém parecia querer falhar e foi preciso esperar até à 22.ª tentativa para alguém falhar, com Kepa a não conseguir travar a cobrança de Kelleher e a atirar depois muito (mesmo muito) por cima da trave para a décima Taça da Liga do Liverpool dez anos depois e o quinto troféu com Jürgen Klopp no comando.